08/06/2005 - 10:00
Ele governa o Acre, um Estado a três mil quilômetros de Brasília, mas está bem perto do coração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o cacife dessa proximidade afetiva que muitos desejam, mas poucos realmente têm, o engenheiro florestal Jorge Viana (PT), 45 anos, fala sem rodeios quando o assunto é seu velho companheiro, o presidente da República. O governo Lula, acredita Viana, trocou a agenda do País, as prioridades do povo, pelo que chama de Agenda da Praça dos Três Poderes, que vive para resolver emergências, como a perda da presidência da Câmara e a CPI dos Correios. Para recuperar a agenda real, recomenda, o presidente precisa colocar seus auxiliares para percorrer o Brasil. “Os ministros estão muito presos a Brasília. Tem que ter um choque, pôr os ministros dentro do País”, defende.
Conselheiro de Lula nas horas mais difíceis, Viana, que não gosta do título de confidente, tem dito ao presidente que, antes de resolver as crises com a base aliada, o governo precisa resolver seu problema com o PT. Jorge Viana lamenta a criação da CPI dos Correios, critica o que chama de “peemedebização” dos partidos e defende um encontro do presidente Lula com seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. Apesar do “fator São Paulo”, acha, PT e PSDB são mais parecidos que a maioria das legendas. “Esse é um caso malresolvido”, arrisca. Governador do Acre desde 1999, Jorge Viana foi um sopro de renovação num Estado que já teve governador assassinado – Edmundo Pinto, em 1992 – e político preso por eliminar seus adversários a golpes de motosserra – o ex-deputado Hildebrando Pascoal. Nesta entrevista a ISTOÉ, ele fala sobre o sopro de mudanças que ele e toda a sociedade ainda esperam do governo Lula.
Naquilo que éramos tidos como craques: na política. Não tenho nenhuma dúvida de que do ponto de vista geral do governo estamos indo bem. Naquilo que parecia que não errávamos, que éramos bons, estamos errando. Estamos gastando tempo de menos com a política. Do jeito que é o desenho institucional do País, temos que montar um grupo grande dentro do governo para cuidar da relação com o Congresso, com os governadores, com os prefeitos. Dentro do governo, se faz pouco-caso disso. As conseqüências são terríveis, como se viu na eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). Também estamos muito presos a uma Agenda da Praça dos Três Poderes. Isso é um equívoco.
Há uma diferença enorme entre o presidente Lula e a equipe dele. O presidente tem um perfil, é o brasileiro que mais conhece o Brasil, falou para todo mundo que era para andar por este país, governar a partir do Brasil, e não de Brasília. E o que vejo, a cada dia que passa, é cada vez mais Brasília, mais Praça dos Três Poderes, quando deveria ser o contrário. Os ministros estão muito presos a Brasília, mais até do que o presidente Lula. Isso é ruim para o País e para o nosso governo. Tem que ter um choque, pôr os ministros mais dentro do País.
Eu não diria o presidente Lula, ele é muito inquieto, mas o governo, sim, está amarrado nessa Agenda da Praça dos Três Poderes. E, pior do que isso, é uma agenda das urgências, e não das importâncias. Tem um risco muito grande quando se é governo: há urgências todos os dias. Mas urgências nem sempre são coisas importantes. Coisas importantes para o País e para o próprio governo estão sendo deixadas de lado por emergências que não são a agenda do povo.
O presidente Lula já me disse que neste ano queria estar discutindo grandes projetos, como a Transposição do Rio São Francisco, o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, como consolidar uma presença econômica sustentável no Centro-Oeste. E se dedicando a discutir a geração
de empregos e o aumento do crescimento. O Brasil devia estar crescendo o
dobro do que está.
O terceiro ano é o melhor ano de qualquer governo. Não era para estar sendo contaminado pela política eleitoral no nível que está. Até por culpa do próprio PT. É um erro o PT estar fazendo a eleição do Diretório Nacional agora, nesse calendário de maio até setembro. Não somos mais aquele partido na oposição, que tinha tempo de sobra. Estamos no governo, nosso recurso mais escasso é o tempo. Estamos agindo do mesmo jeito que agíamos na oposição. Por que continuamos com esse rodízio de líderes? Estamos agora disputando uma copa do mundo da política. Não é hora de ficar testando. Ainda não conseguimos conciliar ser oposição e ser governo. Aliás, não encontramos ainda nem o ponto de como conciliar o partido com o governo. Para mim, o partido não tem que discutir, tem que ser cúmplice do governo. Não tem sentido, toda vez que surge um problema, ficar todo mundo com a mão na cabeça para saber se vai ter unidade do PT no apoio ao governo. Isso não dá para discutir. Tem que ter unidade e ponto. Não podemos desperdiçar este ano. Ano que vem é o ano da reeleição.
Isso não resolve nada. Não se pode chegar num braseiro e ir espalhando a brasa. Nosso projeto não é de quatro anos, é um projeto de país, que não tem data para terminar. O PT nasceu para isso. Está na hora de uma repactuação entre PT e governo, sem deixar de fora os companheiros que têm uma posição diferenciada. Na hora em que o PT conseguir fazer isso, vamos poder chamar o PCdoB, o PSB, os partidos que são históricos aliados. E depois rediscutir um pouco que aliança temos que fazer diante de um quadro partidário tão complicado. Estamos vivendo uma espécie de “peemedebização” dos partidos. Do PCdoB ao PFL, todo mundo está vivendo isso. O PT, que tem a responsabilidade de ser o líder desse conjunto de forças políticas que governa o País, tem que arrumar a casa. Defendo um diálogo entre o Palácio do Planalto e o partido, fora do calendário normal do partido, uma agenda nova entre o presidente (do PT, José) Genoino, o presidente Lula e alguns ministros. Precisamos assumir o papel de ser governo. Essa CPI dos Correios não é um problemão para nós, nosso problema começa lá atrás.
A oposição está tentando antecipar 2006. E nós estamos caindo nessa armadilha. A CPI é um instrumento sério e já foi muito útil ao nosso país. Não pode ser alvo de antecipação de eleição, para tentar botar obstáculo para o governo, fazer chantagem – isso serve para os dois lados, seja o pessoal da oposição, sejam aliados que vêem numa ameaça de CPI a oportunidade de barganhar algo. Nosso governo tem a chance de desmistificar isso agora. Todo mundo fala que CPI a gente sabe como começa, mas não sabe como termina.
Não sabe, mas o governo está tranqüilo. Não podemos ter medo disso. Esse foi um caso de polícia: um funcionário de carreira pedindo dinheiro. Esse cidadão (Maurício Marinho) já era para estar preso.
Temos que pensar bem qual a estrutura partidária que temos hoje. O PT é uma minoria, 90 em 500 deputados e não conta com todo mundo na hora de votar. O PCdoB tem nove deputados. Na hora de mostrar apoio, três votam para um lado e seis para o outro. O povo brasileiro não pode continuar tendo essa estrutura partidária. Está passando da hora de termos uma grande e profunda reforma política. Ela talvez não atenda aos interesses de alguns que estejam ali dentro do Congresso, mas atende aos interesses do País.
Este país vive uma situação esquisita que é essa disputa entre PT e PSDB. Esse é um caso malresolvido. A situação de São Paulo contamina a política nacional de forma equivocada e impede que os dois se aproximem. O País não pode continuar vivendo uma situação em que as disputas eleitorais de São Paulo são transferidas para todo o País. Com esse confronto entre PT e PSDB, não resta saída: quem estiver no governo vai ter que estabelecer alianças com forças políticas conservadoras. Deixamos de estabelecer um diálogo com o PSDB e nos aproximamos de partidos que estão atrás do PSDB. Em muitas ocasiões, o PT deu um tratamento muito correto para o governo FHC. Em outras, exageramos na dose. O PSDB não tem o direito de cometer os mesmos erros do PT na oposição. Defendo um diálogo diferenciado com o PSDB.
Antes do caso Waldomiro (Diniz), Lula defendia essa aproximação. Depois, isso foi esquecido. No Acre, fiz aliança com o PSDB e estou feliz. Não gosto de deixar para o segundo turno uma aliança que pode ser feita no primeiro. Sou um aliancista. O próprio Fernando Henrique devia assumir um papel menos militante e mais de ex-presidente. “Peru bêbado” é coisa de militante. Lula poderia chamá-lo para ter uma conversa objetiva. Quem sabe aí começaria uma relação nova com o PSDB.
O Ministério da Coordenação Política foi muito adequado para a época em que foi criado. O ministro José Dirceu estava sofrendo um golpe, foi ferido, e criamos uma Coordenação Política. Eu gosto muito do ministro Aldo (Rebelo), mas acho que ele não dá conta. Nem o Aldo nem ninguém. Defendo um redesenho da estrutura de decisão dentro do Palácio do Planalto. Eu criaria uma Coordenação de Gestão de Governo. Com o próprio presidente tendo mais tempo para isso. Não estou pedindo para trocar o Aldo, acho um equívoco o PT ficar pedindo o cargo dele. A Coordenação Política é do governo e esse governo não é do PT, é de um conjunto de forças políticas. É preciso gastar mais tempo com a política. O maior erro é desprezar a política, desprezar o Congresso.
Eu não aconselho o presidente, eu me aconselho com ele. Mas tenho
tido algumas conversas muito sinceras com ele.
O presidente Lula me ensinou que só vale a pena buscar a reeleição se você tem algo importante e diferente para fazer num segundo mandato. O presidente Fernando Henrique foi um exemplo de desperdício do segundo mandato. Somos diferentes. Não vamos colocar a reeleição como um caso de vida ou morte. Quando for discutir a reeleição, Lula deveria fazer – eu, se fosse ele, faria – uma série de exigências para o PT e os aliados. O presidente Lula é o maior patrimônio que temos. Não temos o direito de arranhar sua biografia. O cenário hoje é muito favorável, mas eu não descuidaria disso. É só lembrar da (Luiza) Erundina, da Marta (Suplicy), do Cristovam (Buarque)… Eleição é eleição, é ganhar ou perder. Não tem negócio de já ganhou. Se ficarmos andando de salto alto, trabalhando a política no varejo como estamos fazendo, podemos estar colaborando para o risco de o Lula perder.
Não, mas essa aparência existe. O presidente Lula, que sempre teve uma ótima relação com os intelectuais, artistas e bons pensadores deste país, tem que mudar sua agenda. Temos que adotar a Agenda do País. A Agenda da Praça dos Três Poderes não inclui o Ubaldo, o Leonardo Boff e muita gente boa. O presidente Lula gosta de ouvir. Deve fazer encontros com essas pessoas que são aliadas do País, que não têm outro interesse a não ser o melhor para o Brasil. A armadilha da Agenda da Praça dos Três Poderes coloca figuras como João Ubaldo na posição que está, distante.