08/06/2005 - 10:00
Walter Mark Felt é Deep Throat, a
fonte mais famosa e misteriosa do jornalismo americano. Na série de matérias sobre o escândalo
Watergate, começada em 1972 e que levaria à renúncia do presidente
Richard Nixon em 1974, Deep
Throat foi o informante-chave dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post. Depois de 33 anos de especulações e curiosidade, Felt – ex-segundo em comando no Federal Bureau of Investigation (FBI) no início dos anos 70 – veio a público com esse derradeiro furo jornalístico. Dessa vez, ele não soltou a língua para nenhum jornalista: preferiu o advogado da família, John D. O’Connor, que escreveu um artigo para a revista Vanity Fair. Aos 91 anos, com a saúde abalada por um derrame cerebral sofrido em 2001, o ex-agente concordou em quebrar o sigilo, depois da insistência de sua filha Joan e do advogado O’Connor. Até então, apenas Woodward, Bernstein e o ex-editor do Post, Ben Bradlee, conheciam essa dupla identidade.
Em 17 de junho de 1972, um grupo de cinco homens engravatados invadiu a sede do Partido Democrata no edificio Watergate, em Washington. Portavam várias cédulas de US$ 100 e aparelhos de vigilância. Um segurança do prédio descobriu o arrombamento e logo se constatou a intenção de colocar instalações de escuta no local. Investigadores do FBI desvendaram a identidade dos arapongas desastrados – alguns tinham sido agentes da CIA – e verificou-se que todos mantinham relações com o comitê para a reeleição do presidente Richard Nixon. Começava assim uma das maiores histórias do jornalismo.
“Conheci Felt quando eu ainda servia na Marinha. Aos poucos, ele se tornou meu conselheiro de carreira profissional”, diz Woodward. O repórter conta que, depois de ter entrado na profissão que o tornou famoso, Felt também começou a lhe passar informações sobre crimes da administração Nixon. Escalado para participar da cobertura de Watergate, Woodward novamente procurou a ajuda de seu amigo no FBI. Um sistema ultra-elaborado para a comunicação entre os dois foi proposto por Felt. Envolvia uma bandeira vermelha no terraço do apartamento do repórter, quando houvesse necessidade de encontros. As conversas de ambos ocorriam às duas horas da manhã numa garagem subterrânea em Key Bridge, num subúrbio de Washington. “Howard Simons era chefe de reportagem do Post em 1972. Um filme muito popular na época era o pornográfico Deep Throat (Garganta profunda, em que a atriz Linda Lovelace faz o papel de uma especialista em sexo oral). Simons fez referências ligando o filme à fonte de Woodward. E o nome pegou”, diz Leonard Downie Jr., editor executivo do Post.
A revelação ocorre num momento significativo do jornalismo americano, quando questões éticas e pressões políticas colocam em dúvida a prática de divulgar informações atribuídas a fontes anônimas. Atualmente, dois repórteres – Judith Miller, do The New York Times, e Matt Cooper, da revista Times – estão
ameaçados de prisão por não quererem quebrar o pacto de silêncio com seus informantes. Some-se a isso a retratação, feita pela revista Newsweek, da matéria publicada sobre a profanação do Corão por soldados americanos em Guantánamo. Esses episódios levaram várias publicações a adotar regras mais restritas para o uso de informantes secretos. Ao mesmo tempo, verifica-se que, se Felt tivesse
sido exposto há 30 anos, as investigações sobre Watergate possivelmente não teriam tido o mesmo desfecho. Woodward, Bernstein e Bradlee mantiveram seu compromisso de honra a todo custo e pagaram pela lealdade com a perda do furo jornalístico de agora.