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À DISTÂNCIA A Presidência vitalícia escapa das mãos de El comandante

Uma nova Venezuela, mais madura politicamente e menos sujeita à lógica de ferro do confronto, parece ter vindo à luz no domingo 2, depois da derrota da reforma da Constituição proposta por Hugo Chávez ? o primeiro revés eleitoral do presidente desde que ele chegou ao poder, em 1998. A abstenção foi recorde (44%) e a vitória do ?não?, apertada (1,4 ponto percentual), mas o chavismo perdeu cerca de três milhões de votos em relação às eleições presidenciais do ano passado. A rejeição à mudança na Constituição, que, entre outras coisas, possibilitaria a reeleição perpétua do presidente da República, também teve o mérito de jogar por terra alguns mitos sobre o país vizinho e seu histriônico líder. O primeiro deles é que a Venezuela se transformara numa ditadura. É verdade que Chávez vem concentrando poder de maneira crescentemente autoritária e mal disfarça seu sonho bonapartista, mas daí a dizer que a Venezuela já se igualou a Cuba vai uma distância considerável. Apesar dos ?círculos bolivarianos? e das restrições à liberdade de expressão, não existe na Venezuela um partido único que mantenha um controle policial sobre a sociedade. Apesar disso, Chávez já disse claramente que não desistiu das mudanças. Ele pode usar a ?Lei Habilitante? ? que lhe dá poderes excepcionais por 18 meses ? ou buscar assinaturas para conseguir um novo plebiscito. Mas até as pedras do Palácio Miraflores sabem que, se isso acontecer, será em condições políticas bem mais difíceis. O segundo mito derrubado diz respeito às bases sociais do chavismo. Dizia-se que elas eram despolitizadas, servilmente agradecidas ao comandante-en-jefe por tê-las incluído na vida social e política do país. O eleitorado chavista mostrou, contudo, que não é massa de manobra. ?Mais do que o avanço da oposição, as abstenções prejudicaram o chefe de Estado?, constata José Vicente Gil, do instituto de pesquisa Datanálisis. ?O referendo revelou que há uma parte importante do chavismo que é politizada e não está disposta a lhe dar um cheque em branco?, diz Margarita López, do Centro de Pesquisas e Estudos do Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela (UCV). ?Manteve-se o apoio ao governo, mas se tomou distância de uma proposta particular?, completa o sociólogo Edgardo Lander, também da UCV. ?É uma lição de maturidade política muito importante e rompe com o imaginário de um povo que simplesmente segue um messias.?

 

O último mito é de que a oposição À DISTÂNCIA A Presidência vitalícia escapa das mãos de El comandante venezuelana se resumia a um antro oligárquico- empresarial de direita, apoiado nos temores da classe média e na mídia conservadora. De fato, até aqui ela era isso mesmo: em 2002, patrocinou um fracassado golpe de Estado contra Chávez; provocou um locaute em 2003 e boicotou as eleições à Assembléia Nacional no ano passado, permitindo que todas as cadeiras ficassem com os deputados chavistas. Mas desta vez o antichavismo se renovou e resolveu atuar dentro do marco legal e democrático. ?Até agora, a grande força de Chávez era a nulidade de seus adversários?, constata Teodoro Petkoff, ex-guerrilheiro, opositor histórico e diretor da revista Tal Cual. ?Mas a recomposição da oposição e o surgimento de novas lideranças estão no processo de mudar a situação?, diz.

Essa mudança da postura oposicionista se deve a vários fatores. O primeiro é a entrada do movimento estudantil na cena política, que representou uma recomposição do ímpeto antichavista. O racha nas fileiras do oficialismo também contribuiu para a renovação do dissenso venezuelano. O mais importante foi o general Raúl Baduel, ex-ministro da Defesa, que teve papel predominante para conjurar o golpe de 2002 mas rompeu com Chávez por considerar a proposta de reforma constitucional um ?golpe de Estado?. Por último, o partido ?Podemos?, que fazia parte do Movimento V República e desligou- se do chavismo neste ano, depois que o presidente resolveu fundir as organizações de sua base política no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Ainda é cedo para se saber que futuro aguarda a Venezuela depois dessa inédita derrota de Chávez. Alguns setores governistas parecem dispostos a buscar uma conciliação. ?Precisamos motivar as classes médias e governar para elas?, diz Vladimir Villegas, vice-ministro das Relações Exteriores. ?Como disse Fidel a Chávez, não existem quatro milhões de oligarcas na Venezuela.? E como reagirá El comandante? No domingo, ele admitiu que fora derrotado ?por ora? ? como disse quando fracassou sua tentativa de golpe em 1992. Dias depois, num rasgo de grosseria, chamou a rejeição a sua proposta de ?vitória de merda? da oposição. Talvez Chávez devesse buscar inspiração no seu ídolo, o libertador Simon Bolívar, que escreveu: ?Quem manda deve ouvir, ainda que sejam as mais duras verdades e, depois de ouvidas, deve aproveitar- se delas para corrigir os erros.?