RACHEL COELHO

CAATINGA
Vestidos com o figurino da peça, atores ensaiam no sertão baiano

O projeto era acalentado há mais de duas décadas pelo ator, diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa: levar a encenação completa de Os sertões, baseada na obra centenária de Euclides da Cunha, à cidade baiana de Canudos. Nos últimos seis anos a peça foi encenada em São Paulo e outras cinco capitais brasileiras. Entre a quarta-feira 28 e o domingo 2, no entanto, foi a vez de a população de Canudos e redondezas conferir na íntegra a montagem de Zé Celso e sua companhia sobre a história dos sertanejos seguidores do beato Antonio Conselheiro. Considerado um insurgente monarquista pelos republicanos, ele foi combatido em sucessivas guerras travadas em Canudos ao longo de cinco anos. Após seguidas derrotas, o Exército brasileiro finalmente conseguiu sufocar o movimento ao promover um grande massacre do povo de Canudos em 1897.

O livro de Euclides da Cunha foi dividido em cinco peças distintas: A terra, O homem 1, O homem 2, A luta 1 e A luta 2 e cada uma delas tem duração média de cinco horas. Na pequena Canudos, a chegada da peça foi comparada ao impacto causado pelo famoso meteorito que atingiu a cidade vizinha de Bendengó, em 1908. Primeiro pelo aspecto físico: a companhia levou uma megaprodução ao município. A começar pela estrutura metálica de mais de cinco toneladas que reproduziu fielmente a arquitetura do Teatro Oficina de São Paulo, no meio de um estádio de Canudos. “A chegada do meteoro deve ter sido assim”, disse José Lins, 73 anos, durante a montagem do teatro, referindo-se ao efeito produzido pelo brilho do sol forte do sertão refletido nos andaimes de ferro da estrutura.

Nos cinco dias de apresentações, o público canudense, que até então só conhecia shows de circo, lotou o teatro. Foram ao todo 26 horas de espetáculo. No palco, estavam 47 atores, músicos, dançarinos e atores mirins do Movimento Bixigão, mais dois câmeras e quatro contra-regras. Nos bastidores, outros 17 profissionais entre iluminadores, sonoplastas, VJs, produtores, camareiras e pessoal de apoio. O aparato high tech do evento incluiu um sistema de transmissão de vídeos captados e editados ao vivo em telões dispostos dentro do teatro e um link que transmitiu o espetáculo ao vivo pela internet.

A novidade tecnológica não ofuscou o impacto cultural. Na peça apresentada no sábado 1º, A luta 1, a nudez de atrizes causou risos nervosos e uma longa cena de masturbação masculina que era também exibida em close nos telões deixou o público masculino constrangido. Os cochichos na platéia foram ficando cada vez mais altos até tornarem-se uma espécie de coro. Nem todos ficaram chocados: “Achei que, passado o estranhamento inicial, houve integração entre a população e a peça. A dimensão artística das cenas falou mais alto para o público”, comentou a professora Eva Macedo, moradora de Canudos.