HOLLYWOOD A estilista conquistou atrizes como Romy Schneider (à dir.)

Ela nasceu em 19 de agosto de 1883, em Saumur, no interior da França. Filha de um caixeiro-viajante e de uma camponesa, que não eram casados, a pequena foi registrada como Gabrielle Chasnel. Sim, com um "s" no meio. O engano ocorreu porque foram funcionários da maternidade – e não o pai, Albert – que se encarregaram de comunicar o nascimento da menina na prefeitura. Porém, eles eram analfabetos e o prefeito teve de adivinhar a grafia. Esse erro permitiu que parte do passado da estilista Coco Chanel, um dos maiores ícones da moda, permanecesse obscuro por um bom tempo, exatamente como queria. Ela não gostava de lembrar de seus primeiros anos de vida.

REPRODUÇÕES DO LIVRO: A ERA CHANEL

PERFIL Dona de belos traços e de porte elegante, Chanel, em 1909, era admirada por homens e mulheres

A infância e a adolescência de Chanel foram duras, a começar pela maneira como veio ao mundo. Naquele dia, sua mãe, Jeanne, dirigiu-se a uma instituição em cujo pórtico se lia "asilo". Dar à luz em um asilo era um sinal de miséria, uma infâmia. Mas o pior estava por vir. Doze anos depois, Jeanne morreu. Na semana seguinte, Albert levou as crianças para um orfanato e lá as abandonou. Aos 18 anos, Gabrielle Chanel foi transferida para um internato que abrigava moças pobres em uma ala e educava em outra as filhas de famílias distintas. As jovens ricas tinham um fino enxoval. As demais produziam suas roupas e usavam botinas doadas e gastas. Detalhes como esse estão no livro A era de Chanel (ed. CosacNaify), da jornalista francesa Edmonde Charles- Roux, recém-lançado no Brasil. "Se há uma palavra (…) que os lábios de Gabrielle jamais pronunciaram é (…) orfanato. Ela se esforçou com determinação para destruir todos os vestígios de sua origem cruel", sublinha a autora.

Chanel era diferente das mulheres de seu tempo. A pobreza dos tenros anos da mocidade serviu-lhe de alimento para o espírito ambicioso. Aos 20 anos, conseguiu emprego em uma loja que era o ponto de encontro dos elegantes da cidade. Pela região, circulavam os aristocráticos integrantes do 10o regimento militar. Logo, a costureira se tornou a queridinha dos tenentes. No mesmo período, quis seguir a carreira artística. Ficou conhecida por duas músicas, Ko-ko-riko e Qui qu´a vu Coco (Quem viu Coco, em tradução livre). Não foi adiante como cantora, mas ganhou o apelido de Coco. Também despertava atenção pelo seu estilo, um desafio aos costumes. Em 1907, em um dia de corridas de cavalo, surgiu de franja e com a gola branca aberta, duas marcas que ficariam notórias. Coco tinha um séquito de apaixonados, porém seu preferido era o jovem oficial Étienne Balsan, um rico criador de cavalos com quem foi morar, sem se casar, aos 25 anos.

A partir daí, teve uma vida cercada por bon-vivants, artistas e admiradores dos dois sexos. Criticava as pesadas roupas das mulheres e inventava peças que arrancavam assombros, elogios e encomendas. Pouco depois de trocar Balsan por um de seus amigos, o milionário inglês Arthur Capel, Chanel abriu sua primeira loja, em 1913, apoiada pelo novo amante. O romance terminou, a clientela só fez aumentar e seus futuros amores trouxeram-lhe inspiração. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o grãoduque Dimitri Pavlovitch, da Rússia, que lhe infundiu o gosto pelas peliças. Com base nas roupas masculinas, elaborou vestimentas femininas. E conquistou o sucesso com seus tailleurs, suas pérolas e bolsas acolchoadas, entre outros itens. Durante a Segunda Guerra Mundial, porém, chocou profundamente a sociedade. Ela se envolvera com um oficial alemão, um escândalo, e teve de fechar sua maison. Retornou à ativa 13 anos depois e trabalhou obsessivamente até o fim, aos 88 anos. "Ela foi um fenômeno em um período de efervescência cultural e econômica da França", analisa Costanza Pascolato, empresária e consultora de moda cuja avó foi cliente da estilista francesa. Chanel, que nunca se casou, teve a capacidade de perceber as transformações do mundo e revolucionar a moda. Como diz Costanza, as provações da vida a estimularam a querer mais. Não é à toa, portanto, que ela criou um estilo que até hoje é o único reconhecido à primeira vista.