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CRIME DE GUERRA Becher, em seu gabinete: Por que julgar só Israel?

Desde que o conflito com o Hamas na Faixa de Gaza se agravou, a embaixada de Israel tornou-se um verdadeiro bunker. Para entrar no prédio próximo à avenida das Nações, a reportagem de ISTOÉ teve de passar por rigorosa revista, iniciada na véspera com a checagem de dados pessoais dos jornalistas. Na entrada, além dos detectores de metal, um segurança israelense, com orientação para vasculhar até a carteira de quem deseja ter acesso ao local, foi destacado para que nada saísse do controle. Quando se chega, finalmente, ao embaixador Giora Becher, recém-chegado ao Brasil, percebe- se uma atmosfera oposta, de tranquilidade e firmeza de posições. Becher minimiza as mortes de mais de mil civis palestinos ao referir-se às vítimas como baixas de guerra. Segundo ele, os alvos eram os militantes do Hamas, mas durante o conflito esses teriam utilizado inocentes como escudos humanos. Apesar das tentativas de negociação com Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, o embaixador não enxerga um acordo de paz no horizonte enquanto existir o Hamas.

"O Hamas nunca vai sentar com Israel. Eles dizem que não vão reconhecer o direito fundamental de Israel de existir no Oriente Médio", disse. O embaixador só subiu o tom quando questionado sobre a possibilidade de julgamento dos oficiais de Israel numa corte internacional por crimes de guerra. "Se forem levar políticos e comandantes israelenses a julgamento, vão ter que julgar também os comandantes da Otan que atuaram na guerra de Kosovo", rebate.

"Houve mesmo vítimas inocentes, entre as quais crianças e mulheres. Mas essas pessoas não foram atacadas pelo Exército israelense diretamente"

ISTO É – O Brasil, que chegou a enviar o chanceler Celso Amorim para ser mediador do conflito, pode ter um papel importante nas negociações?
Giora Becher – Creio que um país como o Brasil pode ajudar no processo de paz no Oriente Médio por apoiar forças moderadas em nossa região e ficar ao lado dos países árabes que estão procurando paz na nossa região. Trata-se de um papel importante que o Brasil pode desempenhar.

ISTO É – Com a retirada definitiva das tropas de Israel da Faixa de Gaza, a situação deve se tranquilizar na região?
Becher – Fizemos um acordo de que retiraríamos os soldados e os terroristas não atacariam mais os civis de Israel. O Hamas está declarando vitória, mas o importante é que não vão atacar Israel novamente. E não receberão armamento mais moderno e foguetes do Irã. Muitos terroristas foram mortos. A maioria das vítimas durante a guerra era terrorista.

ISTO É – Muitos inocentes também foram mortos.
Becher – Houve mesmo vítimas inocentes, entre as quais crianças e mulheres. Mas essas pessoas não foram atacadas pelo Exército israelense diretamente. Nosso objetivo era atacar apenas os terroristas, nunca inocentes palestinos, mas o Hamas utilizou civis inocentes como uma espécie de escudos humanos. ISTO É – Sempre que ocorre uma ação dessa magnitude há um risco muito grande de que inocentes sejam mortos, como de fato aconteceu. Não foi uma reação desproporcional?
Becher – Não concordo com esse conceito de desproporcional. Foram oito anos de ataque terrorista à população civil de Israel. O que o mundo quer que Israel faça? Também lance foguetes contra a população palestina? Repito: só atacamos o Hamas na Faixa de Gaza. Mas trata-se de uma guerra. E num território onde há uma densidade populacional grande. Não conheço uma guerra na história da civilização mundial em que os civis não acabaram sendo atingidos. Agora, neste caso, a responsabilidade dos civis atingidos é toda dos terroristas do Hamas.

ISTO É – E os ataques às escolas localizadas nas áreas da ONU? Como se explicam?
Becher – Os terroristas usam essas escolas para atacar nosso Exército. E os soldados que estão no palco da guerra somente responderam aos ataques terroristas.

ISTO É – E como o sr. explica a utilização de bombas de fósforo branco, consideradas ilegais pelas leis internacionais de guerra, no confronto com o Hamas na Faixa de Gaza?
Becher – Sempre usamos armamento de acordo com as leis internacionais. Não vi palestino ferido com fósforo branco. Nunca.

ISTO É – O Comitê Internacional da Cruz Vermelha disse que Israel impediu o acesso a feridos na Faixa de Gaza. É verdade?
Becher – Não reconheço essas acusações. Sempre facilitamos a ajuda humanitária aos palestinos.

ISTO É – Em carta ao presidente Lula, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, pediu apoio para julgar Israel em uma corte internacional por "crimes de guerra" cometidos na Faixa de Gaza, segundo informaram fontes oficiais. Como o sr. vê esse movimento?
Becher – Isso é parte de uma propaganda anti-Israel. Se forem levar políticos e comandantes israelenses à corte internacional, vão ter que julgar também os comandantes da Otan que atuaram na guerra de Kosovo e as forças internacionais no Afeganistão e no Iraque. Por que só os israelenses que atuaram durante três semanas na Faixa de Gaza serão julgados? Lamentamos muito cada vítima. Mas foram poucas centenas de vítimas civis. A maioria era terrorista do Hamas. Nos outros conflitos, as vítimas inocentes chegaram aos milhares.

ISTO É – Daqui para a frente, como fica a relação de Israel com os palestinos? O Hamas estaria disposto a sentar numa mesa de negociação.
Becher – O Hamas nunca vai se sentar com Israel. Eles dizem que não vão reconhecer o direito fundamental de Israel de existir no Oriente Médio. Não vão reconhecer o Estado de Israel. Não vão reconhecer o direito de os judeus viverem em Israel. Há três anos o Hamas mantém sob seu poder um soldado israelense. E não temos nenhum contato com ele. Isso ninguém fala. O nosso governo só vai fazer acordos de paz com um governo legítimo dos palestinos.

"Foram oito anos de ataque terrorista à população civil de Israel. O que o mundo quer que Israel faça? Trata-se de uma guerra"

ISTO É – É possível fazer um acordo só com a Autoridade Palestina, sem a participação do Hamas?
Becher – Se os terroristas do Hamas tivessem maioria entre a população palestina, isso seria um problema. Significaria que o povo palestino não iria querer nenhum acordo de paz com Israel. Seria um problema. Mas essa não é a situação atual. Agora existe um governo legítimo que tem o apoio da maioria dos palestinos e é com esses que queremos negociar.

ISTO É – A nomeação de George Mitchell (ex-senador democrata) como emissário do governo Barack Obama para o Oriente Médio pode facilitar essa negociação?
Becher – O conflito no Oriente Médio entre os árabes e Israel é muito complicado. Não é fácil chegar a um consenso. Agora, se houver vontade política entre os palestinos e o governo de Israel, quem sabe. De qualquer forma, é muito complicado. Mas com a ajuda dos EUA e de outros países poderemos, talvez, chegar a um consenso depois de um longo processo.