11/02/2009 - 10:00
Ser chamado em Hollywood de "novo James Dean" e "sucessor de Marlon Brando" leva qualquer ator iniciante a se achar o dono do mundo. Foi exatamente isso que aconteceu com o americano Mickey Rourke. Em 1983, aos 31 anos, ele despontou como o jovem rebelde do filme Selvagem da motocicleta, de Francis
Ford Coppola, atuação que lhe valeu aqueles elogios. Na sequência vieram grandes êxitos, como Coração satânico e O ano do dragão. Com o drama erótico 9 e ½ semanas de amor ganhou status de mito sexual. Rápida ascensão, súbita queda. Rourke desapareceu: perdeu casa, mulher (a modelo Carré Otis) e, um a um, todos os amigos. Só ficaram os cães. Em setembro do ano passado, Rourke reapareceu no Festival de Veneza: as cirurgias plásticas não melhoraram, só pioraram as marcas de cinco anos como lutador de boxe, quando quebrou o nariz, a maçã do rosto e muitas costelas. A língua rachada fez sua voz mudar. Mas o ator continua grandioso. Graças à sua atuação como uma decadente estrela da luta livre, o filme O lutador, que estreia na sexta-feira 13, ganhou a Palma de Ouro. E ele está de novo sob os holofotes e concorre ao Oscar. Rourke só não recebeu outra Palma em Veneza porque a organização do evento não permite que uma mesma produção acumule dois troféus. Foi a largada para a avalanche de prêmios que vem colecionando. O mais recente, o Globo de Ouro, principal prévia do Oscar, ele dedicou aos seus cinco cachorros.
O drama de Rourke e a sua volta por cima não são fatos raros no mundo competitivo e implacável do cinema. Por um motivo ou outro – indisciplina profissional, uso de drogas, depressão -, muitos astros caem em desgraça. E, de uma hora para a outra, renascem das cinzas. Foi assim com John Travolta, cuja carreira era tida como acabada, mas voltou à cena com Pulp fiction – tempo de violência. O mesmo se deu com Dennis Hopper, que reergueu-se com Veludo azul. O Oscar 2009, que será entregue no domingo 22, está sendo chamado de "comeback season" (temporada de retorno) e nem poderia ser diferente: atores antes em baixa concorrem à estatueta. Robert Downey Jr. está indicado a melhor ator coadjuvante pelo filme Trovão tropical, e Frank Langella, como melhor ator pela interpretação do ex-presidente americano Richard Nixon em Frost/Nixon (leia quadro).
TRANSFORMAÇÃO Rourke na época em que era mito sexual (acima) e em
O lutador, com 104 quilos e muitas marcas no rosto
O papel do lutador Randy "Ram" Robison, um brutamontes anabolizado que mais parece um He-Man sexagenário, quase saiu das mãos de Rourke, e não era essa a vontade do diretor Darren Aronofsky, conhecido pelo filme Réquiem por um sonho. Desde o início, ele queria o ator no papel. Mas, quando apresentava o projeto aos produtores, o nome de Rourke era vetado. Diziam que causaria rejeição do público.
Aronofsky passou um ano e meio procurando um parceiro que bancasse a produção e, nesse meio tempo, tentou fazê-la com Nicolas Cage como protagonista. Mas sabia que a escolha era errada.
Também para Rourke não foi fácil decidir-se pelo papel. Primeiro pela preparação. Para chegar ao peso de 104 quilos (nenhuma gordura, puro músculo), submeteu- se a um rigoroso regime de seis refeições por dia aplicado por um ex-agente do Mossad (serviço secreto israelense). Fora os treinamentos de luta livre. O mais difícil, contudo, foi o mergulho psicológico no personagem.
A história de Ram é muito parecida com a de Rourke. Como o ator, o lutador teve uma fase de glória e, no período enfocado pelo filme, encontra-se em franca decadência. Nas pesquisas que fez sobre o submundo das lutas livres, o diretor Aronofsky visitou o circuito de pequenos ringues nos quais os atletas se expõem a verdadeiras mutilações para ganhar, no máximo, US$ 200. Ram faz parte desse grupo de profissionais que não abandonam a luta porque só sabem fazer isso.
Na vida real, quando os bons papéis foram escasseando, Rourke buscou aquilo em que era bom na juventude: o boxe. Mas se deu mal. Para fechar o orçamento mensal, pensou em trabalhar na construção civil. Teve de lidar com essa memória emotiva no set. A cena que mais o desagradava era a que o lutador se vê obrigado a trabalhar em um supermercado. Ram havia sido proibido de praticar wrestling pelos médicos depois de sofrer um ataque cardíaco – era viciado em anabolizantes. Um antigo fã o reconhece por trás do balcão e, humilhado, Ram golpeia a máquina de cortar frios em funcionamento.
Essa cena e muitas outras não são indicadas para pessoas sensíveis. Aronofsky diz que Rourke não conseguia gravar essa sequência. Não que isso seja novidade. Foi justamente pelo seu lado intempestivo que Rourke se tornou persona non grata em Hollywood. Alan Parker, por exemplo, que o dirigiu em Coração satânico, o achava um "pesadelo". Escalado para as continuações de O homem de ferro e Sin City, no qual fez uma ponta no primeiro episódio, Rourke parece agora ter se livrado de outro pesadelo: o esquecimento.
DIREITO à SEGUNDA CHANCE
FRANK LANGELLA
O ator concorre ao Oscar por Frost/Nixon. Ele ficou conhecido pelo papel de Drácula na versão de 1979
DEBRA WINGER
Seu último grande papel foi em Terra de sombras, de 1993. Está no elenco de O casamento de Rachel, novo filme de Jonathan Demme
ROBERT DOWNEY JR.
Depois de livrarse das drogas e passar um ano na cadeia, ele recuperou-se com O homem de ferro. Concorre ao Oscar pela comédia Trovão tropical
JOHN TRAVOLTA
Sem ter repercussão desde Um tiro na noite, o ator recuperou o prestígio em 1994 com Pulp fiction – tempo de violência, filme cult de Quentin Tarantino. Seu cachê hoje é de US$ 20 milhões
DENNIS HOPPER
Ícone dos anos 60 com Sem destino, ele passou as duas décadas seguintes entre cadeias e clínicas de recuperação. Com Veludo azul voltou a fazer sucesso