12/12/2007 - 10:00
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou uma declaração de guerra. Foi na quarta-feira 5. No dia seguinte, o inimigo a aceitou. O plano de Jobim, de exigir das companhias aéreas ressarcimento aos passageiros pelos atrasos nos vôos, é uma atitude drástica, corajosa e decisiva para tentar resolver o problema do caos aéreo. Mas pode pecar justamente por essas mesmas virtudes. Ela joga inteiramente no colo das empresas aéreas a responsabilidade pela confusão, considerando como resolvidas as demais vertentes do problema. Na quinta, ao se reunirem com Jobim, as empresas deixaram claro que não vão aceitar pacificamente a total responsabilidade pelo problema. Vão brigar. Resta saber se, no meio da guerra, às vésperas das festas de fim de ano que aumentarão o tráfego nos aeroportos, os passageiros vão encontrar trincheira para se abrigar.
GUERRA Jobim escolheu as empresas áreas como alvo
Jobim encontrou aval para a sua disposição para a briga no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na terça-feira 4, ele apresentou aos dois a sua idéia de criar um Sistema de Compensação de Atrasos de Vôos (SCA). Trata-se de um complexo processo de compensação financeira, pelo qual as empresas aéreas terão de ressarcir os passageiros em até 50% do valor da passagem, em caso de atrasos. Lula exultou. “Adorei, é excelente”, comemorou o presidente. “Esse mecanismo tem consistência.” A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, concordou: “Adorei também, é excepcional.” Lula assina nos próximos dias medida provisória para implantar o SCA. O governo também decidiu reajustar em até 160 vezes o valor da tarifa de pouso em Congonhas, em caso de atraso.
Quando assumiu, o ministro da Defesa identificou que o caos aéreo tinha três vertentes como causa. Primeiro, os erros de avaliação e a suspeita de corrupção das antigas autoridades da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Infraero. Para resolver o problema, trocou toda a diretoria das duas entidades. Segundo, a responsabilidade das empresas de aviação, que popularizaram os vôos de uma forma predatória e desorganizada, que comprometeu a segurança e o conforto dos passageiros. É esse o ponto que Jobim imagina atacar com as medidas que tomou. O problema, porém, está na falta de soluções para a terceira vertente do caos aéreo, talvez a principal: a insatisfação dos controladores e a precariedade do sistema de controle do tráfego aéreo. Prosseguem as diferenças de tratamento entre controladores civis e militares e a obsolescência de alguns equipamentos.
Jobim acha que poderá resolver os atrasos de vôo apenas com as medidas que tomou agora, e espera calmaria nos aeroportos no Natal e no Ano Novo. As companhias duvidam. Será, então, a grande prova de fogo de Jobim. Se o sistema de ressarcimento pelos atrasos imaginado pelo ministro der certo, ele ganha o cacife de ter sido o homem que conseguiu pôr fim à bagunça que atormenta os passageiros desde outubro de 2006. Voltará a se credenciar como alternativa presidencial. Se fracassar, pode até perder o emprego e se juntar a Valdir Pires na lista de políticos respeitáveis que comprometeram a sua biografia tentando solucionar o problema. “Poderemos fazer ajustamentos, mas nós não recuaremos no sentido de estabelecer os mecanismos”, disse Jobim à ISTOÉ.
Afinal, o que é o SCA? Até 30 minutos de atraso, a empresa aérea não paga nada ao passageiro. De 30 minutos a uma hora de atraso, o passageiro recebe 5% do valor do bilhete. De uma a duas horas de atraso, 10% do bilhete. Se o atraso superar cinco horas, e não são poucos os vôos em que isso acontece atualmente, o passageiro recebe 50% do bilhete. O comandante da aeronave, antes de abrir as portas para a saída dos passageiros, terá de informar o tempo de atraso. A Anac vai divulgar boletim mensal com a lista de vôos atrasados e passageiros que terão direito ao ressarcimento. A empresa aérea enviará mensagens eletrônicas ao passageiro, informando o valor a que ele tem direito. O ressarcimento será feito em dinheiro ou em crédito para a compra de novas passagens. “Estamos trazendo para dentro do sistema de aviação civil o tratamento dispensado pelo Código de Defesa do Consumidor”, diz Jobim. “Tem o efeito de fazer com que as empresas sejam estimuladas economicamente a não atrasar os vôos.” Os Procons e a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça irão monitorar e aperfeiçoar o SCA.
O problema é que o sistema admite que os atrasos podem ocorrer também por razões que não são de responsabilidade das companhias: problemas meteorológicos ou de infra-estrutura aeroportuária, incluindo aí o controle do tráfego. Tais problemas serão descontados do valor do ressarcimento. E podem acabar isentando as companhias. Como se estabelecerá de quem é a responsabilidade? “Nós estamos nos preparando para recorrer e exigir uma investigação correta da responsabilidade”, informa o secretário- geral do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), Anchieta Hélcias. Para ele, a responsabilidade por 80% dos atrasos vem das ações da Anac e do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). “Até outubro do ano passado, quando começaram os problemas com os controladores, a pontualidade dos vôos era de 94%”, diz ele. Depois do acidente com o vôo da Gol, os controladores passaram a exigir um intervalo de sete minutos entre um vôo e outro (antes, era de três minutos). “Ao final do dia, esse intervalo acumulado gera um imenso atraso”, conclui Anchieta. “Se a coisa cair nesse jogo de empurra para apurar as responsabilidades, não sei se a proposta vai ser eficiente”, avalia a presidente da Comissão de Turismo da Câmara, deputada Lídice da Mata (PSB-BA).
Jobim admite que seu pacote não aborda diretamente o problema dos controladores de vôo. Mas ele disse à ISTOÉ que o Ministério da Defesa terá boas notícias para anunciar aos controladores em 2008. “Nós vamos examinar essa questão dos controladores no ano que vem, seja problema de carreira, sejam situações que melhorem as condições”, diz. “Em princípio, já temos toda a situação pacificada na área”, afirma.
Um risco, porém, que permanecerá é o aumento das passagens aéreas. As companhias não descartam a hipótese de repassar os eventuais prejuízos que terão com a tabela de ressarcimento e com o aumento das taxas aeroportuárias de Congonhas para os consumidores. De início, o governo vai punir os atrasos em Congonhas, reajustando pesadamente as tarifas. Mais da metade dos vôos de todas as companhias permanece no pátio de Congonhas acima do período-limite de 45 minutos, tempo suficiente para reabastecimento, limpeza do avião e decolagem. A tarifa vai subir até 160 vezes para os aviões que permanecerem acima de 166 minutos no pátio. No Aeroporto de Guarulhos, a tarifa de permanência em área de estadia (TPE) vai subir 52 vezes a partir de três horas de permanência no pátio. O Aeroporto do Galeão, no Rio, que hoje está subutilizado, terá redução de até 83% nas tarifas. “Não sabemos ainda se haverá aumento. Temos que fazer uma análise financeira do impacto das medidas”, disse o presidente da TAM, David Barione Neto, após a reunião com Jobim. Para Anchieta Hélcias, o aumento no valor das taxas de permanência em Congonhas deverá ter reflexos nos preços das passagens. O comandante Jobim identificou seu inimigo. Resta saber se ganhará a guerra.