01/06/2005 - 10:00
O escritor israelense Amós Oz sempre reclama quando jornalistas e admiradores querem saber se as situações vividas por seus personagens são autobiográficas – o que, em geral, são mesmo. Para ele, esse deveria ser um detalhe irrelevante: afinal, se o autor se deu ao trabalho de criar todo um livro em torno de um determinado tema, o que importa é o resultado desse trabalho, e não a sua origem. Mas no caso do mais novo romance desse irreverente judeu, nascido e criado em Israel, a hipótese nem precisa ser colocada e ele faz questão de ressaltar essa nova circunstância. De amor e trevas (Companhia das Letras, 624 págs., R$ 59) é assumidamente autobiográfico e usa nomes, datas e situações reais das mais importantes figuras da história do povo judeu – do fundador de Israel, Ben Gurion, ao ex-primeiro-ministro Menachem Begin. Oz, nascido Klausner, mostra que sabe sim reconhecer os belos, românticos e heróicos momentos vividos pelos primeiros ocupantes do recém-criado território de Israel, a partir de 1947. Mas, do alto de sua própria história, também se outorga confortavelmente o direito de criticar o que lhe parece disparatado ou, principalmente, injusto. Não é pouca coisa para um ex-kibbutznik, morador de kibutz, que sempre defendeu o direito do povo palestino à sua própria terra e é considerado traidor da causa por boa parte dos sionistas mais ferrenhos.
De amor e trevas foi lançado com estrondoso sucesso no ano passado em Israel. Mesclando a história vista pelos olhos de um menino dotado de grande imaginação, criado em um meio de intelectuais de renome, como o futuro prêmio Nobel de Literatura Shai Agnon, a cenas domésticas e urbanas de tocante lirismo, Oz reconstrói minuciosamente um universo no qual a erudição era menos considerada que a força bruta, mais urgente para a árdua tarefa de construir uma nação. As brincadeiras do menino sempre envolvem os grandes conflitos da história. Escondido, ele gosta de recriá-las mudando o final sempre que este fora adverso para o povo judeu. Mas, contraditoriamente, o autor reafirma a tradição pacifista e conciliadora que consolidou ao longo de toda a sua vida adulta, ao não dar grande importância a sua própria participação como combatente na guerra dos Seis Dias, de 1967, ou na do Yom Kippur, de 1973. Como em toda obra de Oz, o mais importante na vida é viver, não morrer – nem matar.