"Os mecanismos internos do PT não foram suficientes para evitar comportamentos que agora a Justiça irá julgar"
Tarso Genro, ministro da Justiça

O ministro da Justiça, Tarso Genro, pode muito bem ser definido como o curinga que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva guarda na manga. Sem fazer grandes alardes e sem abrir mão de sempre dizer o que pensa, Tarso tem sido o nome de que Lula lança mão todas as vezes que surgem crises no governo. Logo depois da posse, em 2003, suas características de negociador o levaram à presidência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, a instância criada pelo presidente que pretendia compartilhar o poder com a sociedade civil. Na primeira reforma ministerial, Tarso sucedeu ao senador Cristovam Buarque no Ministério da Educação. Em seguida, explodiu a bomba do Mensalão, que tirou José Genoino da presidência do PT. Tarso, então, deixou o governo para assumir um partido em crise. Fiel a seu estilo, bateu forte naqueles que protagonizaram o Mensalão, todos muito ligados a Lula. Exigiu a punição dos envolvidos e adotou o discurso da “refundação” da legenda. Inicialmente saiu derrotado na briga petista, mas hoje, quando o PT vive o processo de renovação de sua direção, todos os candidatos adotam o discurso da refundação.

“A idéia de refundação do PT não foi bem compreendida por alguns”, analisa Tarso. “Então, hoje eu troquei o termo por renovação profunda, uma total transformação nos métodos internos de direção, para que sejam mais democráticos e abrangentes, com o resgate da nossa idéia original de socialismo democrático”, defende. “O que produziu o Mensalão foi produto de um sistema político tradicional, que engolfou parte do nosso aparato partidário. Os mecanismos internos do PT não foram suficientes para evitar os comportamentos que agora a Justiça irá julgar. Nos jogaram numa crise política. E isso é algo que o partido tem de tratar”, defendeu Tarso, mais uma vez sem escamotear o que realmente pensa.

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Vitória Em 1992, Tarso Genro se elege prefeito de Porto Alegre pelo PT e dá continuidade à gestão de Olívio Dutra

Longe do comando partidário, ele voltou ao governo para, de novo, exercer a sua função de curinga, como coordenador político, no Ministério das Relações Institucionais. Em 2007, quando alguns setores começavam a questionar as ações da Polícia Federal, Tarso assumiu o Ministério da Justiça, com a missão de reformular a PF, em busca de mais eficiência e menos pirotecnia. “Essa era uma vertente que o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos já estudava. Seguimos o que já começava a ser imaginado”, diz o habilidoso ministro. É claro que se esboçou no meio policial uma reação às mudanças, que o novo ministro rapidamente conseguiu domar.

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Universitário Estudante de direito, Tarso (ao centro) militava no MDB para contestar a ditadura e se elegeu vereador

Para obter êxito em suas missões, Tarso diz que o segredo reside em saber conviver com as opiniões divergentes. Aliás, essa é uma prática que Tarso vivencia dentro de casa. Sua filha, a deputada Luciana Genro, do PSOL, é uma das principais críticas de Lula e da política de alianças preconizada pelo PT a partir da campanha eleitoral de 2002. Até o primeiro ano do governo Lula, ela contava com um aliado de peso nas discussões com o pai: o avô Adelmo Genro, pai do ministro. O homem que iniciou Tarso na vida política, aquele com quem ele aprendeu a ter uma visão de esquerda do mundo, defendia Luciana e se alinhava a ela nas críticas ao governo e às suas posições mais moderadas, especialmente na política econômica, que não pareciam ter nexo com o discurso histórico do PT na oposição. “É a coerência. Ela (Luciana) está certa”, alertava Adelmo, que faleceu em 2003, aos 81 anos, vítima de um derrame.

Família Em 1974, dois anos depois de voltar do exílio, Tarso brinca com a filha Luciana, hoje deputada do PSOL

Foi a coerência que motivou Tarso Genro no discurso de refundação do PT e é a coerência que baliza o seu novo desafio. A reformulação dos métodos da Polícia Federal atinge agora uma nova etapa com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que soma políticas de aprimoramento dos policiais a programas de recuperação dos criminosos. São 90 ações diferentes, para os quais estão destinados R$ 4,8 bilhões.

A primeira lembrança política de Tarso Fernando Herz Genro é Getúlio Vargas, como ele gaúcho de São Borja. Com apenas quatro anos de idade, Tarso acompanhava o pai em visitas à fazenda de Getúlio. “Me lembro de uma figura simpática, de um velhinho acolhedor”, recorda-se o ministro. Em 1968, ainda líder estudantil na Universidade de Santa Maria, onde cursava direito, Tarso Genro elegeuse pela primeira vez vereador, pelo MDB, o partido de oposição à ditadura que ajudou a fundar. Em dezembro, logo depois do AI-5, Tarso começou a receber os primeiros sinais de que as possibilidades de oposição democrática ao regime militar estavam se extinguindo. Renunciou ao mandato depois que vários de seus colegas foram cassados. Naquele ano, foi preso duas vezes. Resolveu sair do Brasil quando soube que um terceiro mandado de prisão contra ele havia sido expedido. “Essa, ao contrário das outras, seria uma prisão dura. Talvez aí eu não escapasse da tortura que atingiu tantos companheiros”, diz ele. Exilou- se no Uruguai, onde viveu dando aulas de literatura, história e português em cursos pré-vestibulares.

Em 1972, Tarso retornou ao Brasil, para advogar para sindicatos e movimentos sociais. Embora atuasse no MDB, estava próximo dos partidos de esquerda clandestinos. Militou na Ala Vermelha, criada em 1967. Depois, migrou para outra cisão do Partido Comunista do Brasil, o Partido Revolucionário Comunista (PRC), onde atuava também o ex-guerrilheiro José Genoino. “Fiquei no PRC até o momento em que a via democrática se reabriu. Foi quando, então, surgiu o PT, e o início de uma nova história.” Essa “nova história” sepultou o comunista radical e fez surgir um esquerdista mais moderado. Ao lado de Olívio Dutra, Tarso Genro montou uma das principais histórias de êxito administrativo do PT, em Porto Alegre. Em 1988, elegeu-se vice de Olívio naquele que seria o primeiro de uma série de quatro mandatos ininterruptos do PT na capital gaúcha, dois deles do próprio Tarso, em 1992 e em 2000. Curiosamente, a chegada do PT ao governo federal coincidiu com o fim das sucessivas vitórias no Rio Grande do Sul. “Houve fadiga de material”, avalia Tarso. “Mas as transformações em Porto Alegre hoje são admitidas até por aqueles que nos sucederam.”