"Criamos um mercado de massa, algo completamente novo. Demos um salto qualitativo no modelo econômico"
Guido Mantega, ministro da Fazenda

E dentro de alguns anos, quando este governo terminar e o ministro Guido Mantega olhar para trás com a isenção de um professor de economia, decerto poderá avaliar o ano de 2007 como um período de boas realizações. Em janeiro, o ministro da Fazenda prometia levar o País a um crescimento de no máximo 4%. Mesmo assim, parte dos economistas o acusava de falácia. Ocorre que Mantega superou a meta em 20% – a última previsão do Banco Central é de um crescimento em 2007 de 4,8%, acelerando para 5%. Como resultado, a economia real tem apresentado números que há duas décadas não se viam. Foram criados nos últimos 11 meses nada menos do que dois milhões de empregos com carteira assinada. O crédito interno cresceu 24% e incluiu 30 milhões de miseráveis no mercado de consumo.

Quando chegou ao Ministério da Fazenda, em abril de 2005, as reservas internacionais do Brasil estavam em US$ 60 bilhões. Mantega vai virar o ano com reservas três vezes maiores, acima de US$ 180 bilhões. O mercado financeiro internacional enfrenta neste momento uma séria crise de incerteza. Mas o Brasil de Mantega navega pelas turbulências aparentemente blindado. As exportações continuam subindo e em 2007 vão ultrapassar os US$ 160 bilhões. Os investimentos externos continuam chegando e o Brasil é o país que mais está lançando empresas no mercado de capitais. Para fechar com chave de ouro o rosário de boas notícias, as agências internacionais de risco já sinalizaram que em breve o País será promovido a investment grade, patamar máximo para que se recebam investimentos sob mínimo risco. Tudo isso com uma inflação de Primeiro Mundo, abaixo da meta de 4,5% ao ano.

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

De militante a misnistro Em Nova York, Mantega expõe um novo país, em via de ser promovido a investment grade. Militante de esquerda nos anos 70, ele fez economia e sociologia, foi professor da GV e ajudou a fundar o PT. A cima, com a mãe, Anna, e a mulher, Eliane

“Comecei 2007 animado e vou terminar entusiasmado”, festeja o ministro. “Eu já imaginava que este seria um ano em que finalmente colocaríamos o País em um patamar de crescimento robusto. Só que todos os números superaram minhas previsões mais otimistas.” Mantega chegou ao comando da economia brasileira no ponto alto de um longo processo de ajustes que começou lá atrás, há década e meia, quando Fernando Collor abriu o Brasil para a globalização, depois Itamar Franco fez o Plano Real e Fernando Henrique criou o atual modelo de estabilidade econômica com responsabilidade fiscal. Nesses tempos de Lula, o primeiro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, mantinha dois pés no freio. Coube a Mantega avançar. Não foi fácil. Desde sua chegada à Fazenda ele vem enfrentando adversários poderosos, dentro e fora do governo. Na época, um dos problemas da economia era a queda do dólar, que prejudica as exportações e incentiva as importações. Palocci dizia que o câmbio era livre e se recusava a intervir no mercado. O Banco Central também. As indústrias estavam em pânico. Mantega interveio. Ele e Lula obrigaram o BC a comprar dólares. A moeda americana continua caindo e o BC, comprando. Mas, com isso, o Brasil triplicou as reservas internacionais e, quando veio a crise da bolha imobiliária americana, em junho, estávamos blindados.

Outro problema é o ritmo do crescimento. Nos tempos de Pedro Malan e Palocci, nove em dez economistas diziam que o Brasil teria um teto de crescimento. Mantega pegou o País com 3% de crescimento, o segundo pior índice do continente, à frente apenas do Haiti. “Os conservadores achavam que o Brasil não poderia crescer mais que 3,5%; mais do que isso, a inflação explodiria. Os mitos estão sendo derrubados. Nós estamos provando, na prática, que a economia brasileira pode crescer acima de 5% e manter a estabilidade. Provamos também que o Estado pode fazer investimentos e, ao mesmo tempo, aumentar os programas sociais sem afetar a responsabilidade fiscal. Os conservadores acham que é preciso cortar gastos e deixar que o mercado faça tudo. Penso que é o contrário”, diz o ministro. Membro da escola desenvolvimentista, aquela que acredita que o Estado tenha um papel essencial para fomentar o crescimento, o ministro tem forçado o governo a investir mais em infra-estrutura e o BC a acelerar a queda dos juros.

“Nossa maior conquista foi o mercado interno, a grande massa de miseráveis que incorporamos ao consumo.” O ministro entende que os programas de distribuição de renda, aliados à queda dos juros e às medidas para expandir o crédito, aumentaram a massa salarial. Nos últimos dois anos foram incorporados 30 milhões de pessoas ao mercado, que comem mais, compram eletrodomésticos a prestação e até arriscam abrir seu próprio negócio, avalia. “É um mercado de massa, algo completamente novo. Demos um salto qualitativo no modelo econômico”, diz. “Este ano o consumo interno deve aumentar 10% em relação a 2006. São índices chineses. Por isso, se a crise americana aumentar e houver retração no mercado internacional, seremos muito pouco afetados. Temos um mercado interno para compensar.”

Filho de um empresário paulista, ex-militante do Partido Operário Comunista (POC) em seus tempos de estudante de economia na USP, Mantega acabou se formando, simultaneamente, em economia e sociologia. Primeiro foi discípulo de Paul Singer, o economista-pai do petismomarxismo. Em sua banda social, Mantega cresceu estudando o filósofo José Arthur Gianotti e a teoria da dependência, formulada pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Singer e FHC estavam em sua banca de doutorado. Desde 1980, ele é professor da Fundação Getúlio Vargas. Foi nessa época que, levado por Singer, fundou o PT. Com Lula, Mantega só começou a conviver na campanha presidencial de 1989, quando foi nomeado assessor econômico do partido. Hoje é um dos ministros com quem Lula mais tem intimidade.

Aos 58 anos, com quatro filhos (de sete a 26 anos) de três casamentos e três livros publicados, Guido Mantega jamais manifestou ambições políticas. Confessa, contudo, uma grande ambição intelectual. Este ano ele lançou um novo jargão econômico, o “social-desenvolvimentismo”. “É o que estou aplicando no governo, levando a economia a crescer com robustez e, ao mesmo tempo, diminuindo as desigualdades sociais”, explica. Quando puder olhar para trás com os olhos de um professor, Mantega quer escrever a teoria do que vem praticando. “Quero ser lembrado pelo social-desenvolvimentismo”, diz. “Preciso escrever minha experiência para as próximas gerações.”