12/12/2007 - 10:00
"Meu envolvimento com a questão ecológica é muito mais em função da ênfase social do que propriamente com o meio ambiente"
Eduardo Braga, Governador do Amazonas
O governador do Amazonas, Eduardo Braga, comemorou 47 anos, em Bali, na Indonésia, na quinta-feira 6 de dezembro. Não era uma viagem de aniversário, mas um encontro sobre mudanças climáticas que reuniu países do mundo inteiro sob o patrocínio da ONU. E Braga não estava lá para festejar, mas para travar mais um round numa briga tão inovadora quanto justa. Sem vender um hectare, ele quer transformar em dinheiro o maior patrimônio natural de seu Estado: as florestas naturais. É uma medida inovadora porque Braga usa um dos mais recentes conceitos sobre preservação ambiental, chamado BAU (Business as useable). Na prática, no caso do Amazonas, significa medir o impacto da política pública sobre o desmatamento evitado – e receber por isso.
Infância Eduardo Braga nasceu em Belém do Pará, mas estudou e fez carreira em Manaus
“Estamos na antevéspera da valorização de um dos maiores ativos do Brasil e o maior do meu Estado”, diz Braga. O Amazonas tem preservados 98% de seus 157 milhões de hectares de florestas – e metade disso seguirá sendo intocada porque são áreas indígenas, reservas e parques federais ou unidades estaduais de conservação. O governador é uma das vozes mais ativas num movimento mundial que já reúne mais de 130 países para que, até a metade de 2012, quando será feita a revisão da primeira fase do Protocolo de Kyoto, sejam valorizados os créditos de carbono oriundos de florestas preservadas.
Lá e cá O governador é prestigiado no Exterior por celebridades como Bill Clinton e no Amazonas tem o apoio de vários setores sociais, como os índios
O mercado paga atualmente US$ 20 pela tonelada de carbono das florestas replantadas e apenas US$ 3 pelo carbono das nativas. Isso porque o Protocolo de Kyoto, num desvio provocado pelos países que já destruíram suas florestas naturais, prevê remuneração apenas para áreas replantadas. “É uma contradição porque é mais barato conservar do que replantar”, diz o governador. “E no replantio você cria uma floresta homogênea, sem a diversidade do meio ambiente natural.”
Casamento Desde 1981, Braga é casado com a pedagoga Sandra, com quem tem três filhas
Há cinco anos, o mercado de créditos de carbono movimentava US$ 100 milhões. Em 2007, deve girar cerca de US$ 30 bilhões. Mas não foi essa disparada de cifras que levou o governador a elaborar um novo discurso para a questão do meio ambiente – uma espécie de terceira via entre os que acham o desenvolvimento econômico um bem maior que qualquer cuidado ecológico e aqueles que pretendem transformar a floresta num santuário intocável.
Num Estado em que mais de 50% da população vive na capital e quase todos os empregos giram em torno das fábricas da Zona Franca de Manaus, Eduardo Braga descobriu o potencial das florestas entre agosto de 1997 e o início da campanha de 1998, quando fez uma espécie de “Caravana da Cidadania”. Visitou todos os municípios do Amazonas, promovendo mais de 300 horas de reunião com líderes comunitários e gente do povo. Perdeu a disputa, mas num desses encontros teve um diálogo vencedor.
– Doutor, por que uma madeireira pode cortar as árvores e eu não? – perguntou-lhe um caboclo na beira do rio Arari.
– Porque ela faz manejo sustentado – respondeu.
– E o que é isso?
Eleito finalmente em 2002, ele criou uma agência de florestas, que elabora projetos de manejo, fornece o técnico, abre mercado, providencia logística para o escoamento e dá preço mínimo. O Amazonas tem atualmente mais de mil manejos florestais e histórias de sucesso econômico, como a recuperação dos mercados de castanha, borracha ou especialmente juta, cujo valor do quilo se multiplicou por três em cinco anos.
“Meu envolvimento com a questão ecológica é muito mais em função da ênfase social do que propriamente com o meio ambiente”, diz, sem medo da patrulha verde. “Vejo a natureza como um elemento de sobrevivência do povo que está nela, e não em função da elevação de um ou outro grau no aquecimento global.” Na montagem dessa nova rede de preservação, Braga promoveu uma revolução legal, econômica e social.
Por iniciativa do governo, foi criada a primeira Lei de Mudanças Climáticas e a Fundação Amazonas Sustentável, responsável pela gestão do Fundo de Mudanças Climáticas que está transformando a relação da população com a floresta. Presidida pelo ex-ministro Luiz Fernando Furlan, a Fundação já tem R$ 40 milhões, metade deles oriunda do governo estadual e a outra metade de uma doação do Bradesco, através do Banco do Planeta. “Nossa motivação é poder participar e trabalhar na construção de algo que vai garantir que este mundo seja, para nós e para as gerações futuras, um bom lugar para se viver”, disse Márcio Cypriano, presidente do Bradesco, na assinatura do acordo, dia 16 de novembro. Com os juros desse fundo, ele evita que a população mais carente degrade 17 milhões de hectares de florestas e rios. É um programa que prevê o Bolsa Floresta – R$ 50 mensais, mediante um contrato de não-desmatamento. Em 2008, ele vai dobrar o atendimento, passando a oito mil famílias. Elas vivem nas 35 unidades estaduais de conservação ambiental (juntas, dariam uma área do tamanho da Inglaterra).
“Quanto mais pobre e menos educada, mais devastadora é a população”, diz Braga. “Combater a pobreza e dar educação é garantir a sustentabilidade.” Em cinco anos, o ritmo do desmatamento no Estado caiu a menos da metade. Novas oportunidades de renda surgiram para essa população, como a coleta de castanhas ou a pesca sustentável do pirarucu, vendido em supermercados de São Paulo. Engenheiro por formação, casado, três filhas e filiado ao PMDB, ele recebe elogios até no PCdoB. “O governador tem sido um protagonista na defesa do meio ambiente”, reconhece a deputada Vanessa Grazziotin. “Nesse aspecto, Eduardo Braga é um dos melhores governadores que já tivemos.”
O próximo passo é o aprofundamento do que ele chama de “Zona Franca Verde”: a aplicação na floresta de melhorias tecnológicas com incentivos financeiros e fiscais. Um exemplo é a contratação de uma empresa para melhorar as mudas de açaí, gerando um aumento da produção. “A atividade deixou de ser puramente extrativa, tem um manejo correto e construímos estradas para escoar a produção”, conta Braga. O produto integra a merenda escolar do Estado.
Se em 2012 a revisão do Protocolo de Kyoto atender sua causa e as empresas começarem a pagar pelo seqüestro de carbono feito pelas florestas nativas, ele não estará mais no governo para comemorar a proeza. Mas, se o mundo tem um pulmão, Eduardo Braga entrará para a história como o brasileiro que soube cobrar pelo ar puro que ele produz.