Há mais de 30 anos o físico americano Alan Wallace freqüenta retiros espirituais, escreve livros e percorre o mundo para falar sobre a ciência da felicidade. Treinado em monastérios budistas na Índia e na Suíça, ele faz parte do círculo de pensadores próximos ao líder espiritual Dalai Lama. Doutor em estudos religiosos pela Universidade de Stanford, Wallace se especializou na tumultuada relação entre ciência e fé. Na Califórnia, onde vive, fundou o Instituto Santa Bárbara de Pesquisa sobre a Consciência para desvendar os mistérios da mente humana. Em sua primeira visita ao Brasil, onde fará 11 palestras em seis cidades a partir de sábado 4, uma de suas missões é disseminar a noção de que o mundo é uma espécie de rede, onde o que ocorre com um ser se reflete nos demais. E que é possível viver com uma permanente sensação de bem-estar.

ISTOÉ – O que a ciência já sabe sobre o poder da mente?
Alan Wallace –
Muitas religiões valorizam a compaixão, a bondade, mas não sabemos o que é a compaixão. Da mesma forma, ninguém sabe como treinar a atenção. Mas se vamos às tradições contemplativas, como o budismo, o início do cristianismo, o hinduísmo, o taoísmo e o judaísmo, achamos métodos para treinar a atenção e desenvolver a mente que são capazes de tratar problemas mentais, como depressão, ansiedade, dependência, insônia e ódio.

ISTOÉ – Por que drogas como Prozac e Viagra vendem tanto?
Wallace –
Nem todos os casos de depressão e ansiedade são reflexos de desequilíbrio químico no cérebro. Há fatores sociais, emocionais, psicológicos, econômicos e biológicos. Só que em geral a primeira terapia indicada é o uso de drogas. Elas não curam a doença, só acionam substâncias no cérebro para aliviar alguns dos sintomas, sem mudar a forma de encarar a vida e os problemas. Somos simples corpos e nossos pensamentos e emoções são produto do nosso cérebro. Se você sabe disso, suas ferramentas não são nada além de seu corpo.

ISTOÉ – Como a meditação pode ajudar nesse processo?
Wallace –
O que se percebeu é que ela é efetiva no tratamento da depressão. Uma das coisas mais importantes que a espiritualidade pode oferecer é o que os gregos chamavam de bem-estar supremo, algo que está na dimensão do estilo de vida, das coisas que vêm do coração, da mente, uma sensação de felicidade que nos faz sobreviver aos problemas cotidianos, como doenças, tristeza e conflitos. Reconhecer as boas qualidades em si próprio é uma forma de reconhecer a qualidade dos outros.

ISTOÉ – Existe uma receita para a felicidade?
Wallace –
O dinheiro pode comprar experiências, luxo, belas casas e coisas que provoquem bem-estar e felicidade temporários. Só que isso não basta. Conheço gente com muito dinheiro e amor que vive cronicamente em depressão. Estudos psicológicos mostram que, quando se atinge uma faixa socioeconômica na qual se tem casa para morar e dinheiro para atender às necessidades básicas, pagar as contas e os pequenos prazeres da vida, o aumento de renda não tem relevância para o aumento da felicidade. Ser famoso, fisicamente atraente ou admirado também não tem relação direta com a felicidade. Há muitos níveis de felicidade. Nosso estilo de vida pode nos livrar da ansiedade, do ódio, da hostilidade e da ganância. Tudo depende da forma de lidar com o mundo. O que se sabe é que a mente pode se tornar fonte de bem-estar e muita gente faz isso a partir da espiritualidade.

ISTOÉ – A religião e a ciência estão mais próximas?
Wallace –
Depois de tantos anos de conflito, chegou a hora de as instituições religiosas e científicas se unirem para cultivar fontes de bem-estar que independam do consumismo e do materialismo. Precisamos unir a sabedoria ancestral com o conhecimento moderno para buscar soluções para os problemas atuais, que dependem da união de todos para benefício comum da humanidade. Se países populosos como China e Índia tentarem copiar o estilo de vida e o materialismo da América, teremos grandes problemas globais, com mais poluição e deterioração dos recursos naturais.

ISTOÉ – Qual o propósito de sua visita ao Brasil?
Wallace –
Com os transportes, a comunicação e a economia globalizada, o mundo se tornou um só lugar. Essa interdependência também ocorre na espiritualidade. Primeiro devemos pensar no mundo como um conjunto, no bem-estar dos animais, dos oceanos e do ar. O segredo é criar redes de colaboração internacional. O melhor exemplo é o Projeto Genoma, em que cientistas do mundo todo trabalharam juntos para dividir os benefícios e receber os créditos coletivamente. A prioridade hoje é trabalhar não com competição, mas com colaboração, para que todos possam colher os benefícios dos avanços da humanidade. Por isso viajo tanto.