25/05/2005 - 10:00
Uma inusitada situação – o bloqueio de todas as transmissões via satélite por parte da presidente dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, em resposta a críticas feitas pelo presidente mexicano a seu governo – dá início a uma desenfreada troca de cartas escritas pelos principais atores e conspiradores do cenário político de um México que vive no futuro não tão distante de 2020. E é nesse contexto absurdo “pero no mucho” que o escritor mexicano Carlos Fuentes situa seu mais novo romance, A cadeira da águia (Rocco, 330 págs., R$ 40), uma caricatura irresistível dos meandros políticos, não apenas de seu país como da América Latina de modo geral.
Porque a verdade é que Carlos Fuentes, um dos mais premiados autores da língua espanhola, ex-embaixador e ex-professor de Harvard, Cambridge e Princeton, conhece o jogo político latino-americano como poucos. E esgrime esse conhecimento com invejável maestria neste romance que descreve, por meio de cartas manuscritas à falta de melhor alternativa de comunicação, os dias e, principalmente, as noites que precedem mais um dos tantos quase-golpes de Estado organizados nos bastidores da política nacional. Pela correspondência frenética trocada por personagens, como a ambiciosa e sedutora deputada Maria del Rosário Galván, o aparentemente anódino mas maquiavélico Nicolas Valdívia e personagens da tradicional forma caudilhista – como o general elitista Mondragón von Bertrab e o policial medíocre e truculento Cícero Arruza –, os contornos da corrupção e do embuste vão se delineando e revelando segredos escabrosos de alcova e gabinetes.
Não faltam em A cadeira da águia, eufemismo para a Presidência da República no México, alusões a clássicos da literatura, como o misterioso prisioneiro da máscara de ferro, há décadas enterrado numa cela isolada “para sua própria proteção”, nas palavras daqueles que diziam amá-lo. Mas é na minuciosa reconstrução do caldo de cultura golpista e seu indefectível ar de ópera bufa que Fuentes se supera, criando uma obra de fôlego que vai fazer rir amarelo muito político abaixo do Rio Grande.