04/02/2009 - 10:00
Eles eram chamados de "senhores do universo". Todo início de janeiro banqueiros e executivos de grandes grupos industriais dos Estados Unidos e da Europa reuniam-se na cidade de Davos, nos Alpes suíços, e deitavam falação sobre os rumos da economia mundial. Como concessão máxima, abriam espaço na agenda oficial para alguns nomes em evidência do mundo em desenvolvimento. Agora, a máscara do Fórum Econômico Mundial caiu. Está claro que os homens de Davos, inebriados pela globalização, não conseguiram prever a magnitude da crise financeira internacional. À exceção de casos isolados, como o do economista Nouriel Roubini, eles falharam. E agora batem cabeça na tentativa de apontar os responsáveis e as saídas.
O evento deste ano, que começou na quinta-feira 29, foi marcado exatamente pelo fogo cruzado de opiniões. Davos tornou-se uma Torre de Babel em que as convicções pertencem ao passado. O tema foi pomposo: "Moldando o mundo póscrise". Mas ninguém conseguiu dar uma resposta conclusiva, pois os tempos são de incerteza.
Antes mesmo de o fórum abrir seus trabalhos, o vice-presidente do Citigroup, Bill Rhodes, afirmou em Zurique que o mundo vive "uma recessão profunda que não víamos desde a Segunda Guerra Mundial."
Em diagnóstico igualmente sombrio, o Instituto Internacional de Finanças (IIF), que reúne os maiores bancos comerciais do mundo, previu uma retração de 1% no crescimento mundial em 2009, com recessão de 2% nos países industrializados e de expansão de apenas 2,7% nos países emergentes. Para o Brasil o IIF anunciou um crescimento inexpressivo, de mísero 0,8%. O FMI , por sua vez, também reduziu suas previsões. Seu relatório mais recente afirma que o mundo vai crescer somente 0,5% em 2009, o nível mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial. Em novembro, o diagnóstico era de crescimento global de 2,2%.
O Brasil também sofreu uma revisão para baixo. Deverá crescer 1,8%, contra a estimativa inicial de 3%. Segundo o relatório do Fundo Monetário, "o panorama ainda é bastante incerto e o ritmo de recuperação gradual vai depender de ações políticas fortes."
Nas palavras do diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, "a crise é resultado de um sistema de regulação financeira que não funcionou." Coerente, o relatório conclui que "uma recuperação econômica sustentável não será possível até que a funcionalidade do setor financeiro seja restaurada e o mercado de crédito seja desobstruído." O diagnóstico do FMI funcionou quase como uma pá de cal sobre as ideias defendidas em Davos nos últimos anos. Foi no vilarejo suíço que se fez defesa veemente da desregulamentação dos mercados financeiros, como mecanismo de progresso e desenvolvimento. Foi ali que se incensou o poder dos grandes bancos comerciais.
Neste ano a festa encolheu e os banqueiros sumiram do pedaço. Muitas das estrelas nas discussões de outrora perderam o emprego – a demissão mais recente atingiu o ex-diretorexecutivo da Merrill Lynch, John Thain, afastado do Bank of America por premiar funcionários no auge da crise e realizar uma reforma milionária no próprio escritório. O diretor- executivo do Citigroup, Vikram Pandit, preferiu ficar longe e o principal assessor econômico de Barack Obama, Larry Summers, decidiu fazer forfait. De grande banco, compareceu o presidente do JP Morgan Chase, James Dimon, e só.
Os bancos passaram de destaques a vilões. O próprio criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, não poupou seus tradicionais convidados de honra. Segundo ele, foram os bancos que ajudaram a criar os problemas econômicos e, agora, devem ajudar no esforço de encontrar uma solução. Para sobreviver, o fórum está dando adeus às suas convições ultraliberais. Schwab, em entrevista coletiva, pediu a união de empresas e governos para debelar a crise. A intervenção estatal na economia deixou de ser um anátema. "Há espaço maior para a supervisão regulatória", concluiu um documento oficial do encontro sobre os riscos da indústria financeira. Como se vê, os defensores do neoliberalismo entregaram os pontos e agora não só admitem como defendem a intervenção do Estado para estabilizar o sistema financeiro internacional. Ao mesmo tempo, considera- se necessária uma coordenação política global para que os estímulos fiscais deem efeito. "Temos de ter uma ação coordenada de países desenvolvidos e emergentes", afirma o economista-chefe do Banco Mundial, Justin Yifu Lin. Até mesmo o megainvestidor George Soros afirma que o Estado deve intervir para salvar os bancos. Pensamento idêntico ao de mais de mil executivos ouvidos pela PricewaterhouseCoopers em todo o mundo.
UMA NOVA ORDEM
Putin atacou hegemonia do dólar,
enquanto jovens protestavam.
A ausência dos grandes banqueiros permitiu tiradas de fina ironia. Houve quem dissesse que nas recepções de Davos neste ano não seriam servidos champanhe e caviar, mas, sim, presunto e queijo. Exageros à parte, a agenda de festejos, sem o tradicional patrocínio dos bancos, passou por forte dieta de emagrecimento. Mas, na parte mais grave do encontro, quem pagou o pato foram os Estados Unidos. Logo na abertura do fórum, os primeiros-ministros da Rússia e da China atiraram sem piedade na economia americana, responsabilizando-a pela crise global. Os dois referiram-se ao papel crucial cumprido pelo dólar. O chinês Wen Jiabao defendeu reforço na regulação das maiores reservas em moeda estrangeira, enquanto o russo Vladimir Putin afirmou que existe uma subordinação perigosa do dólar. Se depender dos dois líderes, o dólar tem os dias contados como referência mundial. Eles acreditam na força de suas economias nacionais para vencer a crise. Jiabao confia em que a China conseguirá crescer cerca de 8% neste ano. Apesar das críticas, Putin e o colega chinês mostraram-se dispostos a colaborar com Barack Obama.
O ANFITRIÃO E A ESTRELA Schwab, que organiza o fórum, e o chinês Jiabao debateram papel dos emergentes
"esperança Obama aprovou um megapacote fiscal de US$ 819 bilhões para socorrer a economia e gerar empregos"
Ricos em críticas, mas carentes de soluções, os homens de Davos sabem que a crise nasceu nos EUA e dificilmente chegará a termo, enquanto a economia não pisar em terreno firme. Por isso, foi recebida com grande alívio a notícia de que a Câmara dos Representantes aprovou o pacote de US$ 819 bilhões proposto pelo governo Obama. O plano prevê investimentos pesados em infraestrutura, educação e energia renovável, para estimular a economia real e gerar empregos. Ou seja, adotar a fórmula intervencionista que, hoje, tem o apoio dos "ex-senhores do universo". O mundo mudou e o fórum de Davos também.