Depois de mais de uma semana de confusão, com multidões – principalmente de populações indígenas – fazendo bloqueios de rodovias, protestos de ruas em todo o país e, finalmente, realizando a já tradicional “invasão” de La Paz, o Congresso da Bolívia promulgou, na terça-feira 17, a nova e controvertida Lei dos Hidrocarbonetos, que havia sido aprovada dez dias antes no Parlamento e aguardava a sanção ou veto do presidente boliviano, Carlos Mesa. A decisão do Congresso foi tomada porque Mesa, acuado por todos os lados, não se sentiu com força para vetar ou alterar o texto e preferiu agir como Pôncio Pilatos, lavando as mãos com relação ao projeto, que dobra os impostos a serem pagos pelas empresas de petróleo e gás. Entre essas empresas, se destaca a Petrobras, que desde 1996 já investiu mais de US$ 1 bilhão na Bolívia na exploração e produção de petróleo e gás, além da construção de duas refinarias, e é hoje a maior empresa no país vizinho, responsável por nada menos que 15% do PIB.

E não é só. A lei restabelece o poder da estatal boliviana YPFB – que tinha o monopólio até o final dos anos 90, quando o governo abriu a exploração ao
capital estrangeiro – sobre a produção e comercialização do petróleo e do gás extraído pelas empresas privadas, transformando-as de sócias no risco e nos
lucros em simples prestadoras de serviços. Para piorar, a lei determina que
todos os contratos em vigor – entre eles, por exemplo, o da compra de gás
boliviano pela Petrobras, que hoje abastece São Paulo e o Sul do Brasil – sejam revistos em no máximo 180 dias. A lei também determina que qualquer nova exploração de petróleo ou gás no país terá que ter aprovação das comunidades indígenas, que correspondem a mais de 60% da população e se consideram marginalizadas do surto de progresso que a exploração de gás e petróleo por empresas estrangeiras vem trazendo a algumas regiões da Bolívia.

As estimativas de aumento dos impostos e royalties indicam que a carga
tributária da Petrobras poderá chegar a 70%, o que pode inviabilizar novos investimentos. A ministra de Minas e Energia do Brasil, Dilma Roussef, admitiu que, caso os termos da lei sejam mantidos, a Petrobras terá que rever seus investimentos na Bolívia. A situação é complicada. Nos planos da empresa brasileira, estava a construção de um pólo gás-químico em Corumbá, na fronteira com a Bolívia, usando o gás importado. Com sua sócia espanhola Repsol, a Petrobras também ia construir um gasoduto desde a Bolívia até a Argentina, que abasteceria de gás a Argentina, o Uruguai e o Sul do Brasil. Na Argentina, onde a Repsol detém o controle da YPF, já se admite que o projeto poderá não sair do papel porque, com o nível dos impostos a serem pagos, o retorno do capital investido será muito difícil. Com relação ao gasoduto Brasil-Bolívia, já em funcionamento e que fornece uma média de 24 milhões de metros cúbicos de gás/dia ao Brasil, a preocupação das autoridades brasileiras é com relação à manutenção dos
contratos de longo prazo. Na obra, o Brasil enfiou nada menos que US$ 8 bilhões.

Para se prevenir, a Petrobras já vai acelerar as obras para entrada em produção
dos campos gigantes de gás descobertos na Bacia de Santos, no litoral de Angra dos Reis. Junto com as reservas da Bacia de Campos, o País poderá escapar, a médio prazo, da confusão boliviana. E vai precisar mesmo disso. Os partidos de esquerda – que detêm um terço do Congresso boliviano – já anunciam que vão ter que “seguir as bases” e endurecer mais com as empresas petroleiras. “Queríamos royalties de 50%, sem mexer nos impostos. Mas fomos superados pelo povo”, afirma Evo Morales, o líder cocalero que comanda o MAS (Movimento ao Socialismo). Essas “bases” de que falam os políticos são os cada vez mais inquietos milhões de indígenas das etnias quíchuas e aimarás, maioria folgada da população. Eles querem que uma nova lei seja feita pelo Congresso. E os termos são radicais: expropriação das instalações de exploração e produção, refinarias, postos, etc. Para a Petrobras, que com suas duas refinarias produz toda a gasolina consumida na Bolívia, essa voz das montanhas é de tirar o sono.