Toda vez que se fala em câncer, a grande questão que se coloca é quando chegará a cura. É natural que seja assim. Mas em congressos médicos o cerne das discussões é o avanço científico, implique isso em remissão total da enfermidade ou não. Portanto, nesses eventos é comum que cada vitória seja celebrada, mesmo que o progresso resulte no prolongamento da vida do paciente por apenas alguns meses. Durante a 41ª reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, sigla do nome em inglês) – o maior encontro do gênero no planeta –, que aconteceu na semana passada em Orlando (EUA), especialistas do mundo inteiro viram de perto os resultados de algumas dessas conquistas.

Além disso, conheceram estudos que mostram que o acompanhamento não pode parar mesmo quando o mal é superado. “Somos vítimas de nosso ‘sucesso’. Com a melhora nas terapias, mais pessoas estão sobrevivendo. E estamos nos confrontando com o fato de que os sobreviventes têm uma série de necessidades físicas e psicossociais”, afirmou David Johnson, presidente da entidade.

Na verdade, sobrevivência e prevenção foram dois temas que permearam o congresso. É claro, porém, que as descobertas de novas aplicações para remédios conhecidos também agitaram os especialistas. Nesse sentido, uma das apresentações mais comentadas foi uma pesquisa sobre o Herceptin (trastuzumabe), um anticorpo monoclonal (classe moderna de drogas, com ação mais direta sobre a célula maligna) usado contra o câncer de mama do tipo HER2 positivo, uma das formas mais agressivas da doença (HER2 é uma proteína muito presente em cerca de 25% das mulheres com tumores de mama). O produto é dado a pacientes em fase avançada da enfermidade. Na semana passada, um estudo mostrou que a droga, usada por voluntárias com a doença em estágio inicial, diminuiu em 46% o risco de o mal voltar. “É um dos resultados mais importantes que vi aqui. Vai mudar o tratamento”, garantiu o médico Carlos Barrios, da PUC de Porto Alegre. Outro trabalho corroborou a ação benéfica de Herceptin para esse perfil de pacientes, desta vez em associação com quimioterapia. Houve uma redução de 52% na chance de o câncer reaparecer. Com isso, acredita-se que em breve o FDA, agência americana de aprovação de remédios, validará a droga para câncer de mama do tipo HER2 em fase inicial.

Versatilidade – Para o câncer de mama, há mais novidades. Um estudo com 9.366 portadoras de tumores avançados revela que o Arimidex (anastrozol) – indicado para mulheres na pós-menopausa – pode baixar a taxa de mortalidade em até 13% e o reaparecimento das alterações malignas em 21%. Normalmente, pacientes com esse perfil são tratadas com tamoxifeno. Mas um trabalho pode botar em xeque essa terapia-padrão: uma pesquisa feita com 8.028 voluntárias que também passaram pela menopausa apontou que a possibilidade de recorrência caiu 19% com o Femara (letrozol). Para completar o cerco contra o câncer de mama, há ainda os resultados de um estudo com Avastin (bevacizumabe), droga que combate a formação de vasos sangüíneos que alimentam as células cancerosas. O remédio é usado contra câncer colorretal avançado, mas, numa pesquisa em que se adicionou a substância à quimioterapia, as mulheres (que tinham sofrido metástase) praticamente dobraram o período de sobrevida sem a enfermidade progredir.

O mesmo Avastin apresentou ação positiva para outro tipo de câncer, o de pulmão do gênero adenocarcinoma, uma variedade de difícil tratamento. A combinação da droga com a quimioterapia resultou em taxa mais alta de resposta ao tratamento (27% contra 10% da quimioterapia). A adição dos remédios de última geração a um mix de medicamentos já estabelecidos tem sido bastante benéfica. Dados preliminares de um estudo internacional comprovaram que o anticorpo monoclonal Erbitux (cetuximabe), associado a uma terapia-padrão conhecida como FOLFOX, permitiu que pacientes com metástase de câncer colorretal pudessem ser operados, o que não ocorreria não fosse o acréscimo do princípio ativo. Em geral, menos de 5% das pessoas nessas condições conseguem uma sobrevida de cinco anos. Feita a operação, esse índice sobe para 50%.

Num congresso de proporções gigantescas como o da ASCO, não poderiam ficar de fora substâncias que ainda nem chegaram ao mercado. Em pesquisas experimentais, duas drogas demonstraram que são boas promessas contra o câncer de rim metastático. Ambas bloqueiam mecanismos que levam ao crescimento dos tumores. Uma delas é o sorafenib, princípio ativo de um remédio da Bayer. Num trabalho que acompanhou 884 pacientes, a pílula dobrou o período sem progressão da doença, passando de 12 para 24 semanas. O outro remédio é o Sutent, da Pfizer, que reduziu tumores numa proporção aproximada de 40%. O problema é que ele tem efeitos colaterais significativos, como fadiga e hipertensão (os efeitos negativos do sorafenib são erupções cutâneas e transpiração).

De qualquer modo, são opções para que os médicos disponham de respostas eficazes a tumores agressivos. É essa a opção que a medicina já possui, por exemplo,
contra o mieloma múltiplo, um dos tipos mais graves de câncer, com sérios comprometimentos ósseos. O Velcade (bortezomibe) tem mostrado ótimos resultados contra a doença. “Ele revelou-se eficiente em pacientes que já não respondiam a outras terapias e ajudou a aumentar a sobrevida dessas pessoas”, explica a hematologista Vânia Hungria, coordenadora do Ambulatório de Mieloma Múltiplo da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A instituição participará de um estudo clínico com o remédio, que deve chegar ao Brasil até o final do ano.

Esses progressos estão resultando numa significativa melhora na expectativa de vida dos doentes. Estima-se, por exemplo, que no Brasil 65% das pacientes com câncer de mama continuam vivas cinco anos após a finalização do tratamento. Dez anos atrás, esse índice era de 55%. E o melhor é que todos esses avanços vêm acompanhados de uma mudança muito positiva na maneira de tratar os doentes. “É preciso conversar, ouvir o paciente. Além de remédios, ele precisa de atenção. E felizmente essa humanização no tratamento é uma tendência cada vez mais forte”, afirma o médico Benedito Rossi, do Hospital do Câncer de São Paulo.

Dizer ou não: levantamento entre 559 membros da ASCO mostrou que 97%
deles acreditam ser preciso mais treinamento para dar informações sobre o
fim da vida a pacientes em estágio terminal. Apenas 5% sempre dão uma estimativa de vida. Mas 75% gostariam de saber quanto tempo lhes restaria,
caso se encontrassem na mesma situação.

A repórter Lena Castellón viajou a convite do Laboratório Merck