25/05/2005 - 10:00
Os tentáculos da privatização avançam sobre o ensino superior e quem sofre são os alunos. E
seus pais, claro. Números divulgados pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostram que, em 2003 (ano do último censo), havia no País 1.859 instituições de ensino superior, das quais 1.652 eram privadas. Isso significa que 89% das faculdades brasileiras cobravam mensalidades. Dez anos antes, esse grupo correspondia a 75%. O número de alunos de graduação matriculados em cursos pagos no País ultrapassa 2,7 milhões, enquanto as escolas públicas congregam menos de 1,2 milhão de estudantes, menos da metade. Para acomodar o exército de 1,9 milhão de alunos que terminam o ensino médio a cada ano no País, criam-se vagas a rodo. Muitas delas permanecem ociosas, já que os preços praticados são proibitivos para grande parte dos candidatos. Em 2003, 42% das 1,7 milhão de vagas oferecidas em instituições particulares não foram preenchidas. Há quem fale em esgotamento do setor. Ao mesmo tempo, escolas sem tradição cobram mensalidades até 50% mais altas do que faculdades de renome, na certeza de que sempre haverá candidatos dispostos a pagar qualquer quantia para escapar da agonia do vestibular.
Cada centavo – É o que acontece com os cursos de medicina de São Paulo. São 26 no Estado, 19 deles privados, responsáveis por dois terços das vagas oferecidas. Enquanto o valor médio da mensalidade gira em torno de R$ 2.550 no Estado, o Conselho Regional de Medicina acaba de divulgar uma lista com os valores cobrados em cada uma das faculdades. No topo do ranking estão a Unoeste e a Unicid, com taxas mensais de R$ 3.450 e R$ 3.700, respectivamente. Na Santa Casa, mais conceituada e concorrida, a mensalidade fica em R$ 2.225. “Vale cada centavo. Prestei USP e Unifesp e não passei em nenhuma, mas meu pai, que também é médico, fez residência na Santa Casa e ficou contente por eu ter entrado. Ele acha caro, mas encara como investimento”, diz a caloura Juliana Bonfim dos Santos, 18 anos, encantada com os primeiros meses de aula. À guisa de comparação, seu pai gastará R$ 160 mil em seis anos. Se depositasse mensalmente o mesmo valor em um fundo de investimento, no dia da formatura teria acumulado R$ 185 mil. Aluna do primeiro semestre, Juliana elogia os professores e as instalações. “Os laboratórios de anatomia e bioquímica são mais bem equipados do que os da USP. Mas o investimento é pesado, principalmente por eu não poder fazer estágio antes da residência. Acabo me cobrando mais e praticamente não cabulo aula”, diz.
Comparar a qualidade das faculdades públicas com a das particulares é tão delicado quanto discutir sobre o melhor time de futebol ou escolher um carro novo. Todas têm qualidades e defeitos. Nas escolas públicas, por exemplo, é maior o número de professores com doutorado, a maioria deles dedicada em período integral ao ensino. Por estar há alguns anos fora do mercado, no entanto, muitos professores caem na armadilha de transmitir conceitos e técnicas obsoletas. Já as instituições privadas contam normalmente com melhor infra-estrutura e investem nos equipamentos. “O laboratório de fotografia e a ilha de edição de vídeo da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) são maravilhosos. Os computadores são todos novinhos. Tudo isso é fundamental no ramo que eu escolhi”, justifica a estudante Danielle Peres, 18 anos, que cursa o primeiro ano de publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado. A mensalidade: R$ 1.745. “Um curso de publicidade não deveria custar mais de R$ 1 mil, mas manter equipamentos sempre novos deve encarecer”, acredita ela.
Internet – O diretor da fundação, Américo Fialdini Jr., explica que essa é uma tônica da faculdade. “O primeiro estúdio de tevê digital do País foi o nosso, antes mesmo de a Rede Globo montar o seu. Hoje, temos ar condicionado central e sistema wireless (sistema de acesso a internet sem fio) em todo o campus. De qualquer lugar o aluno pode acessar à internet através de seu laptop, sem precisar conectar o micro”, diz ele. “E não temos sala com mais de 40 alunos. Tudo isso encarece o curso. Se colocássemos 60 alunos por sala, o preço cairia, mas a qualidade do ensino cairia ainda mais.” O resultado das altas mensalidades é a previsível seleção do público, facilmente percebida nos corredores, onde predominam jovens bonitos e elegantes da alta classe paulistana. Não à toa, o primeiro MBA em Gestão do Luxo do País nasceu ali. Esse caráter exclusivista, no entanto, se repete na maioria das boas faculdades de São Paulo e, às portas do mercado, favorece a minoria com condições de se matricular.
Nem todos os países adotam o mesmo modelo de ensino praticado no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, as faculdades mais famosas e disputadas são as particulares. Quantos filmes você já viu em que o mocinho rala nos treinos de basquete para entrar no time da escola e garantir uma bolsa de estudos? Já na maioria dos países europeus, mesmo nas instituições públicas, é cobrada uma taxa anual de cerca de R$ 600. As universidades particulares praticam tarifas mais acessíveis. “O preço dos cursos varia de 800 a mil euros por ano (R$ 2,5 mil a R$ 3,2 mil)”, diz o educador espanhol Antoni Zabala, especializado em formação de professores. No Brasil, mesmo quem começa a se especializar no universo das cifras e dos números se esforça para justificar o preço do diploma. “Seria bom se fosse de graça, mas o preço das mensalidades não foge muito da média”, diz Marcelo Eiras, 18 anos, calouro de administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas. “O prédio é ótimo, tem computador para os professores em todas as salas de aula e as cadeiras dos alunos são estofadas. Para quem paga mais de R$ 1 mil no colégio, é compreensível a mensalidade de R$ 1.730”, diz ele. Se não dá para evitar o prejuízo, que pelo menos os estudantes saibam aproveitar o que seus cursos oferecem, fiscalizar o desempenho das faculdades e se esforçar para que a vida lhes dê em dobro.
Agradecimentos: a Ás Eventos, que emprestou a beca, e ao economista Alex Agostini, da GRC Visão, que realizou as projeções de rendimentos com base em um fundo de investimento de 1,2% ao mês (descontados o Imposto de Renda incidente no momento do resgate e a inflação do período)