06/06/2007 - 10:00
LIÇÃO DE VIDA
"Tenho duas armas contra o desespero, a tristeza e a morte: o riso a cavalo e o galopedo sonho"
Vestido com um terno de linho bege-claro, o escritor paraibano Ariano Suassuna caminha suave, sorri muito e parece uma das bonitas e oníricas visões que costumam habitar sua obra. Às vésperas de completar 80 anos, no próximo dia 16, ele vem recebendo muitas homenagens e se prepara para ver a sua extraordinária obra Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta ser popularizada na microssérie que a Rede Globo estréia dia 12. Ele se diz "apenas um sertanejo". É mais: é patrimônio nacional.
ISTOÉ – Nas comemorações de seus 80 anos, o sr. tem viajado muito de avião. Perdeu o medo?
Ariano Suassuna – Sou um sertanejo e não tenho medo de nada… (risos). Realmente, não gosto de viajar, muito menos de avião porque não tem nem paisagem. Mas está valendo a pena.
ISTOÉ – O sr. está se sentindo uma celebridade?
Suassuna – Estou me sentindo o velho sertanejo que sempre fui, continuo a mesma pessoa e espero em Deus que isso não me torne diferente. Tenho horror à figura do chamado intelectual vaidoso. Vou continuar a ser a pessoa que sempre fui, somente mais velho e mais satisfeito com as homenagens.
ISTOÉ – Está valendo a pena, então?
Suassuna – Está sim. Não sou hipócrita para não reconhecer. Outro dia, estava dando autógrafos numa universidade em São Paulo quando me perguntaram se esse assédio é trabalhoso. Eu disse que é, mas, se a alternativa for a indiferença ou a hostilidade, prefiro o carinho trabalhoso. Estou descobrindo que o povo brasileiro começou a descobrir que eu gosto dele e está começando a corresponder.
ISTOÉ – Por que o povo está descobrindo isso agora?
Suassuna – Acho que é porque minha comunicação com o público não está sendo feita somente através da literatura, que tem um público reduzido, principalmente no Brasil. Atribuo esse maior reconhecimento a veículos como cinema e televisão, principalmente. Foi depois que Luiz Fernando Carvalho me levou para a tevê que começou esse reconhecimento maior de escritor.
ISTOÉ – O que o sr. acha da televisão: ajuda a cultura ou é medíocre?
Suassuna – Estou notando uma abertura maior que pode ajudar. Agora, a gente deve também ter compreensão de que tevê não é só arte, tem também entretenimento, noticiário. Vou me tirar do exemplo para falar com mais isenção. Existe um grande romance brasileiro, de José Cândido de Carvalho, que é O coronel e o lobisomem. Guel Arraes pegou esse livro e fez um trabalho extraordinário para a televisão. Então, acho que Guel e a televisão prestaram um serviço extraordinário à literatura brasileira porque tornaram uma obraprima acessível a um público muito maior.
ISTOÉ – É diferente fazer 80 anos de fazer 50, 30, 15?
Suassuna – Não acho, não. Claro que tem uma série de desvantagens com a velhice, como a proximidade maior da morte. Mas tem vantagens também. Uma, física: eu sofria de enxaqueca, que é uma doença triste, e fiquei curado. Outra, do espírito: adquiri uma serenidade que nunca tive. Hoje eu sou um homem sereno. Quando eu recebia uma crítica desfavorável, ficava indignado. Hoje, podem falar mal que entra por um ouvido e sai pelo outro.
ISTOÉ – Como está seu novo livro?
Suassuna – Fico até acanhado de dizer que comecei esse livro em 1981 e ainda não terminei. Meu processo é lento porque escrevo à mão e eu mesmo ilustro. É um livro grande e um homem de 80 anos não sabe que tempo de vida dispõe para concluí-lo. São cinco volumes independentes. O primeiro está me dando mais trabalho porque, como não sei se vou ter tempo para fazer os outros, quero que ele dê uma idéia do conjunto.
ISTOÉ – Suas aulas-espetáculo vivem cheias de jovens na platéia. A que atribui?
Suassuna – Graças a Deus. Não sei como um velho como eu pode atrair tantos jovens. O que eu sei não é muito, mas sei me comunicar com esse pouco.
ISTOÉ – O que tem achado dessas denúncias em série no Brasil?
Suassuna – Eu vejo isso amargurado, mas, talvez pela velhice, menos perplexo, porque não é a primeira vez. E percebo que o povo brasileiro tem distinguido bem o papel de Lula e não está confundindo as coisas. São dados do IBGE: o índice de pessoas que viviam abaixo da linha de pobreza era de 37,9% e o Lula baixou para 18 e pouco. Não sou otimista, porque os otimistas são ingênuos, nem sou pessimista, porque não sou amargo. Sou um realista esperançoso. Tenho esperança porque Lula está conseguindo diminuir a pobreza.
ISTOÉ – O sr. parece ser bem-humorado, mas suas obras têm muitas mortes.
Suassuna – Passei por duros problemas na infância e até certa idade só escrevia tragédia. Era uma pessoa que parecia ter uma coisa atada, um nó dentro do peito. Aí, encontrei a Zélia e foi como se o nó desatasse, ela abriu meus olhos para a beleza, o riso e alegria do mundo.
ISTOÉ – O sr. encontrou uma maneira de rir da morte?
Suassuna – Eu digo sempre que tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver.