ROBERTO JAYME

"Eu vi Diana no hospital. Qual o prazer na imagem de alguém morrendo? Exibi-la é estimular um voyeurismo sombrio"

LEONARDO ESTEVES LIMA, cirurgião que foi da equipe que socorreu a princesa após o acidente

A princesa Diana passou a maior parte de sua vida na mira dos holofotes. Aos 20 anos a sua imagem ao se casar com o príncipe Charles foi assistida por mais de 700 milhões de espectadores. A partir de então, os flashes não lhe perdoaram nenhum deslize ou lágrima. Sua morte precoce em 31 de agosto de 1996 sob o encalço de paparazzi foi a expressão máxima da superexposição de uma vida de conto de fadas que acabou em tragédia. Dez anos depois, dois lançamentos – um documentário e um livro – chamam a atenção pelo caráter mórbido que vem ganhando o culto à princesa de Gales.

O mais comentado deles é um vídeo que exibe as cenas tétricas da agonia de Diana num acidente de carro em um túnel em Paris. Trata-se do documentário Diana: the witnesses in the tunnel (Diana: a testemunha no túnel), da emissora britânica Channel 4, que promete exibir o filme no dia 6 de junho. As imagens foram montadas a partir de fotos de paparazzi franceses que flagraram também a morte do namorado da princesa, Dodi al Fayed, e do motorista Henry Paul.

No embalo sensacionalista do Channel 4, os estilistas David e Elizabeth Emanuel lançaram o livro Um vestido para Diana. Eis o prefácio: "Isso não é um livro, é a sua chance de ficar perto da mulher que ainda está viva no seu coração e de ser um pouco o que ela era." O casal foi quem fez o vestido de noiva de Diana e teve a idéia – de gosto duvidoso – de incluir no livro um retalho do restante do rolo do tecido usado em sua confecção. O livro custa R$ 4,5 mil.

Mas é o documentário que desperta maior repúdio entre a família real e políticos britânicos, que o consideram um desrespeito à memória da princesa. A emissora argumenta que o documentário contempla um "genuíno interesse público". Não é o que pensa o cirurgião cardiovascular brasileiro Leonardo Esteves Lima, que trabalhava no hospital francês La Pitié-Salpêtrière em 1997 e fez parte da equipe que socorreu a princesa. "Eu vi Diana chegar ao hospital. Sou médico e não entendo o interesse em expor uma pessoa agonizante", disse ele a ISTOÉ. "É um voyeurismo sombrio."

Diana foi vítima do circo midiático tanto em vida quanto na morte. Mas na esteira da comoção causada pela morte e em respeito aos príncipes Harry e William, seus herdeiros, até a voraz imprensa britânica concedeu uma longa trégua à memória da Princesa do Povo. Prevalecia um acordo tácito de não divulgação das imagens mais fortes do acidente. Foi a revista italiana Chi a primeira a estampar uma foto dos últimos momentos de vida da princesa, em 2006. O editor da Chi Umberto Brindani alegou tê-las publicado pelo ineditismo. "É notícia", disse.

O fato é que a popularidade da princesa continua a render dividendos. A canção Candle in the wind composta por Elton John para o funeral da princesa vendeu 31,8 milhões de CDs e se tornou um dos temas mais comercializados da história. O jornal Daily Mirror pagou R$ 1,2 milhão a Paul Burrell, ex-mordomo de Diana, para que ele contasse o que sabia sobre a princesa. O livro vendeu como água. O jornal também vendeu um milhão de exemplares em sete dias ao publicar trechos. "Diana é uma figura mítica que desperta grande afetividade. Alimenta fantasias mundo afora", diz o psicanalista Paulo Endo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

A psicanálise explica por que as imagens violentas são as mais valorizadas no mundo inteiro. Sigmund Freud definiu a morbidez como a impossibilidade de os indivíduos se livrarem dos seus mortos. "As imagens não precisam de tradução, geram perplexidade, emoção e a vontade de sentir novamente", diz Endo. "No caso da princesa, soa a uma espetacularização da violência." O grau de morbidez é variável. Explica-se tanto pela sede dos telespectadores em ver a princesa à beira da morte, quanto pela voracidade dos leitores em se apropriar de um mísero retalho que a princesa nem sequer tocou. No caso do tecido do vestido de casamento, o culto pelo menos remete a uma imagem de conto de fadas. O questionável é a memória de um ícone ser retalhada a preço de ouro.