18/05/2005 - 10:00
Sergio Groisman, 54 anos, tem
sorte no jogo. Durante vários anos, ele e os antigos colegas do colégio Equipe – escola paulista de vanguarda nos anos 70 –, como o ator e diretor teatral
Cacá Rosset, o fotógrafo Bob
Wolfenson e o arquiteto André Vainer,
se reuniam semanalmente para rodadas de pôquer que chegavam a durar 12 horas. Groisman era o campeão do carteado. A jogatina foi abandonada por falta de tempo. Além do seu Altas horas, exibido nas madrugadas de sábado para domingo na Globo, conduz mais duas atrações: Ação, aos sábados às 7h30, também na Globo, e Tempos de escola, às segundas-feiras às 16h30, no canal Futura. Ao todo, são 17 anos no ar desde que apresentou o TV Mix, pela TV Gazeta de São Paulo, em 1988, e cinco anos só de Altas horas. Corintiano roxo, Groisman recebeu ISTOÉ na segunda-feira 9, na ressaca da acachapante derrota de seu time para o São Paulo, por 5 a 1, e nem assim perdeu o bom humor. “Aqui, ninguém tira sarro de mim porque sou o chefe.” Em sua sala na emissora, misturam-se CDs, livros, bonecos de borracha da dupla o Gordo e o Magro e o computador pelo qual troca e-mails com a cantora italiana Laura Pausini. Solteiro, diz que pensa em casar e ter filhos. Enquanto falava, tomou três águas-de-coco em caixinha, todas em temperatura ambiente para não prejudicar a voz. A próxima cartada será estrear como ator na peça Brasas no congelador, que Gerald Thomas escreve especialmente para ele. Se depender do histórico de Groisman, será mais um royal street flash, jogada só comparável a um 5 a 1 no futebol.
No Brasil, ainda não temos um grau de politização forte. Nem suficiente. Países vizinhos, como Argentina e Chile, são mais politizados. Talvez seja por causa da nossa colonização, da nossa história. A formação de nossos partidos políticos foi elitista e afastou as pessoas mais interessantes da política partidária. Não vejo muito tesão dos jovens para entrar num partido político. Já conversei muito com as alas jovens dos partidos. Um garoto da ala jovem do PFL, por exemplo, fala como uma pessoa de 30 anos. Acho que há um afastamento do jovem tanto da política tradicional como do movimento estudantil. Nenhum dos dois consegue apresentar uma linguagem ou uma motivação que sejam suficientes para o cara se filiar ou seguir no movimento.
Falar de gravidez, drogas, relações pessoais. Parece que isso não faz parte do ambiente político. Os partidos organizados, então, não querem nem ouvir falar dessas questões. Para tratar desses temas, vão ter que se confrontar com a Igreja, com os eleitores conservadores. Então esses temas nunca estão nos programas partidários em época de eleição. No nível federal, só se discute política econômica. E, na cidade, só o trânsito, os buracos. Ninguém tem posição clara sobre a descriminalização ou não das drogas, legalização ou não do aborto. Sempre pergunto para a platéia: “Quem aqui conhece alguém que já engravidou?” E 90% levanta a mão. É como se isso não existisse para os partidos políticos
Eles vêm. Quero trazer mais, mas tenho certeza que eles vêm aqui para fazer campanha. É difícil achar alguém disposto a responder ao que foi perguntado. Este ano, o programa será temático. O mais recente foi sobre TOC (transtorno obsessivo compulsivo).
Eu tento equilibrar a platéia. Trazer jovens tanto da escola pública como da privada. Muita gente de escola pública não pode ir porque o horário de gravação é às 16h30 nas quintas-feiras e eles trabalham. Não abro mão de ter uma platéia que fale. Mas não vou ficar exaltando a participação deles. Tem perguntas que são as mesmas, redundantes, em qualquer situação. São pessoas que querem aparecer, perguntar qualquer coisa. Mas respeito.
Tenho. Em 1992 fiz um programa ao vivo do Carandiru (extinta
Casa de Detenção). No primeiro programa aqui na Rede Globo, fizemos um
link na cadeia. Eu acho que temos que ouvir essas pessoas. Porque,
normalmente, ou falam por elas ou metem o pau nelas. Existe uma idéia muito equivocada que é a seguinte: eles estão bem lá. Têm comida, bebida, não fazem nada. Não digo que ali existam santos. Mas, quando você mistura um cara que roubou pela primeira vez com um líder do tráfico ou gente que não tem nada a
perder, a desesperança contamina todo mundo.
Muito mais. Existem Febems bacanas. Já fiz trabalhos de
apresentação de grupos de dança, de música. Tem crianças de 12, 13, 14
anos que se envolvem em coisas mais pesadas e aprendem técnicas de roubo, usam armas. Acabei de ler o livro do MV Bill (Cabeça de porco). Ele percorre
várias capitais e mostra que muitas vezes o adolescente fala: “O que eu vou fazer? Quais são minhas alternativas?” As escolhas de um garoto muito pobre são muito poucas no Brasil. Eles merecem ser ouvidos.
Tenho muito claro que o veículo mais superficial é a televisão. Não adianta exigir, no Brasil, um grau de profundidade e compromisso da televisão com a formação do indivíduo. Aquela pessoa, de qualquer idade, que deixa de ler, de ir ao teatro, ao cinema, e acha que é bem-informada só vendo televisão, está muito equivocada. Por outro lado, não podemos esquecer que a televisão, para a grande maioria das pessoas, é a maior possibilidade de entretenimento que existe. Me dizem: “Pôxa, você faz o programa sábado à noite, na hora em que as pessoas vão para a balada.” Mas o índice de audiência é alto para o horário. Uma parcela da população vê televisão porque não tem dinheiro para pegar ônibus, ir na balada, comer um lanche, comprar roupa. Essas pessoas não querem um programa chato. O espectador tem direito a entretenimento na televisão, mas cabe a nós, que fazemos televisão, fazer do entretenimento alguma coisa que tenha uma conseqüência na vida dele, pequena que seja, porque a tevê é superficial: muito rápida, muito competitiva.
Os adolescentes têm muito mais diferenças do que semelhanças. São comuns na idade, mas diferentes no time de futebol, na política, na paixão. Mas essa faixa apresenta uma característica interessante que é mudar de opinião diante de um bom argumento. Quanto mais velhas as pessoas vão ficando, mais solidificadas são suas opiniões.
É. É mesmo. Quando falamos de questões de tolerância, já vi opiniões serem mudadas. Ao mesmo tempo, falam coisas muito preconceituosas. No último programa, com o Bruno Gagliasso, que interpreta um gay na novela América, parecia todo mundo tolerante. Até que ele diz que não abriu mão de sua opção sexual verdadeira e as meninas aplaudiram. É como se dissessem: “Tudo bem, você está interpretando um gay, mas você é homem, né?”
Têm. Ainda falo bastante de camisinha, insisto para usarem. Essa história de que a camisinha estourou acontece, mas não tanto como as pessoas dizem. Elas acabam não usando porque o namorado pede, vira uma prova de confiança. E as meninas principalmente têm que exigir o uso. Têm que saber falar “não” se o cara pedir para transar sem, porque para o cara é fácil sumir. Elas são sempre as mais prejudicadas, as que vão cuidar da criança depois. Também não concordo com essa coisa de “se fez, tem que assumir”. É por isso que precisamos discutir o aborto. Porque a pobre faz com agulha de crochê e as ricas vão em clínicas onde o aborto é quase legalizado.
Não existem campanhas. Faziam aquele terror de “se não usar, vai morrer”. A mesma coisa com as drogas. Agora tentam mostrar o caminho que o dinheiro do comprador percorre. Ou seja, se não morrer pela droga, morre com o tiro do traficante. O contato com a droga não vem do traficante. Vem porque os amigos querem mostrar uma coisa prazerosa para o outro. É preciso dar informação de verdade. Dizer que a droga age de maneiras diferentes no corpo das pessoas, explicar qual será o preço do prazer que ela proporciona. Conheço gente que cheirou cocaína a vida inteira e tá aí. Tem outros que podem ter uma overdose com quantidade bem menor.
Aí nem se fala! Não se discute quem ganha dinheiro com isso,
sobre a polícia que ganha mal e é corrupta. É mais um exemplo de que aqui
não se discutem os problemas reais.
A escola ainda não conseguiu colocar a leitura como um prazer, em vez de uma obrigação. O cara lê Machado de Assis obrigado e só descobre que gosta aos 30 anos. Quando dei aula no curso de rádio e TV na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), fazia os alunos se auto-avaliarem e me avaliarem. Deu certo. Um deles, inclusive, se reprovou. Teve uma escola em que mediei debates entre pais e filhos e eles disseram ali, uns para os outros, coisas que nunca tinham falado em casa. A escola ainda é o melhor lugar para se discutir tudo isso que falamos aqui.
Minha mãe veio de Varsóvia, Polônia, no último navio que pôde sair da Europa. Na volta, ele foi afundado pelos alemães. Duas tias dela não conseguiram sair a tempo e morreram em campos de concentração. Meu pai era romeno e atravessou a Europa, já ocupada, de trem, escondido. Ele morreu há cinco anos e nunca conseguiu ver um filme que tratasse do extermínio, porque chorava. Minha mãe também não. Eu já consigo lidar melhor com isso.
Não tenho muito contato com eles enquanto grupo. Até porque, no Brasil – diferente dos Estados Unidos, onde muitos judeus se fixaram e conseguiram chegar ao poder – os judeus acabaram se dispersando. Mas acho que estes seis milhões de mortos ficaram na memória da humanidade.
Sim. O primeiro convite foi para fazer uma ponta na peça Um circo de rins e fígados, que está em cartaz. Era para ficar no lugar do Bebê, um apresentador de tevê que entrevista o Marco Nanini. Mas aí ele resolveu escrever uma peça para mim e só aceitei porque era uma oportunidade única de ver como funciona um trabalho de direção no palco. Também vou fazer uma ponta no filme Fim de linha, do Gustavo Steinberg. Mas aí é como apresentador de tevê mesmo.
Ele escreve pensando numa pessoa. Então recomendei que ele me conhecesse melhor para continuar redigindo. Mas tem uma bailarina que sai de uma caixa e eu vou ser o cara que se apaixona por ela.
Não, não. Foi uma coincidência.