AUREMAR DE CASTRO/ESTADO DE MINAS/FOLHA IMAGEM

BLOCO NA RUA O governador de Minas ao lado do cartaz encomendado por aliados: ação surpresa para ocupar espaços no PSDB

O governador de São Paulo, José Serra, estava no meio de um discurso típico de candidato, alinhavando teses programáticas e palavras de ordem, quando viu se abrirem as portas do auditório da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC). Passava das 19 horas na quinta-feira 22 em Brasília e por elas, entrou sorridente o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, terno azul-claro e camisa branca sem gravata. Serra amarrou imediatamente a cara e demorou alguns segundos para conseguir engatar novamente o discurso. Em seguida, Aécio não teve pruridos em tripudiar sobre a situação. "Hoje, estou num dia particularmente feliz porque pude me sentir como José Serra: cheguei atrasado e atrapalhei o discurso do orador que estava na tribuna", alfinetou, numa alusão a uma certa falta de tato que o meio político reconhece em José Serra. "Não foi sem querer. Aposto que ele ficou lá fora esperando o momento exato de entrar", comentou, na platéia, o vice-governador paulista Alberto Goldman.

GLAUCIO DETTMAR/AG. ISTOÉ

Serra teve seu discurso interrompido por Aécio e FHC foi atrapalhado pela claque da Juventude do PSDB, ligada ao governador mineiro

Apuro pior passou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na hora em que ele começou o discurso, uma claque identificada como Juventude do PSDB subiu aos gritos as escadarias rumo ao auditório. Foi tanta algazarra que, sem entender direito as palavras de ordem, FHC parou e perguntou-se: "O que é que estão gritando? Atitude?" Não, não era "atitude". Era "juventude". E o recado da moçada barulhenta ligada a Aécio era claro: eles queriam a renovação do PSDB. Aos 76 anos, o ex-presidente da República teve de esperar por dez minutos o fim dos gritos e palavras de ordem. Irritado, Alberto Goldman, 70 anos, passou recibo: "Numa coisa essa turma é muito boa: em atrapalhar discurso", queixou-se após seu grupo sofrer o segundo golpe do dia. "Mas eles deviam atrapalhar os discursos dos outros, e não os nossos."

O 3º Congresso Nacional do PSDB foi convocado para oficializar a troca de comando. Na presidência da legenda, houve consenso em torno do senador pernambucano Sérgio Guerra, ex-coordenador da campanha de Geraldo Alckmin, que substituirá pelos próximos dois anos o senador Tasso Jereissati. Para quase todos os outros cargos, a disputa entre os grupos de Serra e Aécio deu o tom das negociações – e elas acabaram por revelar o enfraquecimento dos políticos mais ligados a Fernando Henrique. O mineiro Rodrigo de Castro, por exemplo, desbancou na Secretaria Geral o preferido de FHC, o ex-ministro Eduardo Jorge Caldas Pereira. Aécio chegou a ser duro: se Rodrigo não ficasse com o cargo, o PSDB de Minas preferia ficar completamente fora da Executiva. Outro nome ligado a Fernando Henrique, o ex-ministro da Educação e hoje deputado Paulo Renato de Souza, foi escanteado na disputa pela presidência do Instituto Teotônio Vilela, que ficou com o deputado capixaba Luiz Paulo Vellozo Lucas, ligado a Serra. "Esse assunto não foi bem encaminhado, mereço ser tratado com mais respeito", reclamou Paulo Renato.

Além de renovar o comando, o 3º Congresso Nacional expôs a nova pegada oposicionista do partido, na qual o PSDB se mostra como precursor das políticas que hoje fazem a popularidade de Lula. Foi esse embate que levou ao esvaziamento do grupo de FHC. No seu discurso interrompido pela Juventude do PSDB, Fernando Henrique pregava a radicalização da oposição ao governo, denunciando que a discussão sobre um terceiro mandato de Lula representava um risco para a democracia. "Não podemos assistir ao que está acontecendo no Brasil de braços cruzados, nós temos que atuar com mais energia", vociferava. "Não acredito sinceramente que o presidente Lula esteja de fato interessado nisso (o terceiro mandato)", minimizou mais tarde Serra. "Ninguém está nos cobrando sermos radicais", comentou o novo presidente do PSDB, Sérgio Guerra.

Em vez de uma oposição profunda e radical, como defende Fernando Henrique, vai-se iniciar uma relação menos intempestiva com o governo, que permita pontos de contato com Lula. Tanto para Aécio como para Serra, a preocupação maior está em evitar o crescimento do movimento por um terceiro mandato de Lula. Neutralizado isso, ambos são os nomes que mais se destacam na sucessão, já que o PT não apresentou ainda boas alternativas eleitorais. Um discurso mais profundo de oposição pode desgastá-los. Uma tática mais amena os preserva.

Tudo isso, porém, ficou em segundo plano a partir do momento em que o governador de Minas rasgou a fantasia e colocou na rua o bloco Aécio 2010. Na terça-feira 20, dois dias antes do início do congresso do PSDB, ele autorizou seu grupo a fazer cartazes lançando sua candidatura à Presidência da República. Forçou, então, para que o partido colocasse na pauta de discussão do congresso a idéia de realização de uma prévia para a escolha do candidato em 2010, justamente para tentar tirar da cúpula a decisão final, que poderia beneficiar Serra. "Qualquer instrumento que amplie a capacidade de consulta do partido tem o meu apoio", elogiou Aécio. "Ainda é muito cedo para se falar sobre isso", rebateu Serra. Surpreendido com os cartazes de "Aécio presidente", Serra foi mineiro: "Não tem nada demais, ele tem todas as credenciais para ser candidato."

A verdade, no entanto, é que Serra estava irritado. "Se Aécio trabalha com a máxima de que quem corre na frente é que bebe água boa, José Serra vai apostar no ditado de que quem é apressado come cru", garante um tucano de grande plumagem. Os mais de 500 delegados e 1.200 filiados do partido reunidos em Brasília saíram do encontro com uma convicção: se as duas candidaturas permanecerem até 2009, a legenda irá fazer a escolha do candidato à Presidência através de eleições primárias. "Faremos algo como as eleições nos partidos americanos", explica o deputado Rodrigo de Castro.

O roteiro traçado por Aécio só não se mostrou mais feliz porque, no mesmo dia em que ele foi sacramentado como a nova força dentro do PSDB, o procurador-geral da República denunciou vários de seus antigos aliados pela participação no esquema do Mensalão Mineiro. Essa é a pedra a ser afastada do caminho de Aécio e é em volta dela que José Serra o espreita.