O governador Paulo Souto, apesar de baiano de Caetité, fala, se comporta e age como um político da escola mineira. Movendo-se sempre sem fazer muito barulho, ao contrário de seu mentor político, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL), este geólogo de formação está no segundo mandato à frente do Palácio de Ondina. Sua vida pública começa em 1979, quando assume a Secretaria de Minas e Energia, no governo de ACM. Mais tarde foi superintendente da Sudene. Depois de ter se destacado na área técnica, em 1990 foi eleito vice-governador na chapa de Antônio Carlos Magalhães. Chegou ao governo do Estado, pela primeira vez, em 1994 e voltou ao cargo em 2002, após passar quatro anos no Senado. Sempre fiel ao seu estilo, Souto não fala de seus planos para a reeleição, admite que o PFL pode ter candidato próprio à Presidência e critica o governo Lula. Sempre moderadamente, mas com firmeza. Condena a falta de apoio concreto aos projetos de infra-estrutura, principalmente na conservação das estradas federais, e diz que a falta de investimentos coloca um limite na produtividade da economia.

ISTOÉ – O seu partido, o PFL, está apresentando no horário eleitoral o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, como um potencial candidato ao Palácio do Planalto. É viável o PFL disputar a Presidência?
Paulo Souto

Neste momento, a situação ainda é bem nebulosa, mas eu acho que pode ter candidato sim.

ISTOÉ – De alguma maneira, a intervenção na área de Saúde do Rio prejudicou os planos do partido?
Paulo Souto

Isso, no momento, teve um certo impacto. Hoje, acho que o feito já foi completamente absorvido, mas acredito que o governo federal vai ter muita dificuldade em sair da intervenção proporcionando, como foi a grande expectativa, um serviço melhor à população.

ISTOÉ – O PFL, historicamente, sempre foi dividido entre duas alas ? lideradas pelos senadores Antônio Carlos Magalhães (BA) e Jorge Bornhausen (SC). Na discussão da candidatura própria, essas alas estão unidas?
Paulo Souto

Acho que sim. É importante para o partido ter um nome que se coloque. Cesar Maia é um político que teve êxito na eleição passada, num Estado politicamente muito difícil como é o Rio de Janeiro. Tem mostrado eficiência
como administrador.

ISTOÉ – O natural seria uma aliança do PFL com o PSDB, mas hoje é mais difícil, já que os tucanos não têm um candidato definido ainda. No quadro atual, é capaz de cada um lançar um nome, pelo menos no primeiro turno?
Paulo Souto

Acho que as duas são hipóteses possíveis. Vai depender do êxito de cada um desses candidatos. De qualquer maneira, é muito provável que estejam juntos num segundo turno.

ISTOÉ – Até porque as pesquisas mostram que Lula só não venceria no primeiro turno numa disputa com muitos candidatos, num quadro diluído.
Paulo Souto

É verdade. Para ter mais possibilidade de segundo turno é melhor um quadro com mais candidaturas.

ISTOÉ – Na Bahia, o sr. está tentando abrir um pouco o leque de alianças do PFL, mas existe uma dificuldade vinda do acirramento muito grande na política local graças à presença do senador ACM.
Paulo Souto

Eu não diria que estou fazendo isso com objetivo eleitoral. Meu próprio temperamento é de conversar com as pessoas.

ISTOÉ – Qual é a sua expectativa para seu futuro político?
Paulo Souto

Hoje estou pensando em fazer um bom governo. No próximo ano, vamos ver. Tenho dito sempre que não tenho obsessão por ser candidato. Não vou prejudicar nada da administração por causa da eventualidade de uma reeleição.

ISTOÉ – Salvador deu a Lula, em 2002, uma votação de quase 90% dos votos. Como anda a popularidade do presidente hoje?
Paulo Souto

Eu percebo algum desencanto, principalmente com relação a algumas expectativas. Há uma certa frustração da classe média. E também com relação a problemas administrativos, como é o caso do metrô de Salvador. No próprio PT há setores que consideram que as bandeiras tradicionais do partido foram relegadas ou esquecidas. A própria eleição municipal mostrou isso: uma ausência daquela militância típica do PT nas ruas.

ISTOÉ – E a economia da Bahia, como está?
Paulo Souto

Acho que nós estamos dando passos muito significativos na economia. No ano passado, crescemos em níveis chamados asiáticos: 8,5% no produto industrial do Estado. A indústria cresceu em torno de 15%; a agropecuária, cerca de 10%.

ISTOÉ – Ou seja, o Estado não vive só de turismo?
Paulo Souto

Não. A Bahia é um Estado diversificado do ponto de vista industrial e com uma agropecuária moderna, principalmente na região oeste do Estado, produtora de grãos, com os projetos de irrigação, e de frutas. Há também uma grande agroindústria de não-alimentos, que é a parte de celulose, na região sul. Lá está se consumando agora um investimento de US$ 1 bilhão na nova indústria de celulose. É um projeto da Veracel.

ISTOÉ – Há previsão de novos investimentos na área turística?
Paulo Souto

Estamos agora iniciando um novo ciclo de investimentos muito importantes para o desenvolvimento do turismo com uma concentração forte no litoral norte. Ali, na região entre Guarajuba, Praia do Forte e Suípe, estamos tendo quatro grandes projetos, basicamente de espanhóis e de portugueses.

ISTOÉ – Mas para o desenvolvimento do turismo é preciso investir na infra-estrutura, principalmente na questão dos aeroportos e das estradas. Como andam as negociações com o governo federal?
Paulo Souto

Ainda é um problema você aumentar o número de vôos. Infelizmente, muitas das capitais da Europa e cidades importantes nos Estados Unidos eram atendidas por empresas nacionais, que, com a crise, cortaram praticamente todos os vôos. A parte de aeroportos está razoável, já que Salvador e Porto Seguro atendem bem aos vôos internacionais, embora eu ache que já está na hora de Porto Seguro ter um aeroporto novo. A Infraero podia muito bem fazer esse aeroporto. Afinal, estamos falando de uma cidade que tem um nível de procura muito grande. Na questão das estradas federais, é mais complicado. A Bahia é um Estado atravessado por duas grandes estradas federais de norte a sul e por uma estrada federal de leste a oeste, que são a BR-116, a BR-101 e a BR 242. A falta de conservação e a requalificação dessas estradas prejudicam não só o turismo como toda a atividade econômica.

ISTOÉ – A área econômica do governo Lula vem segurando investimentos importantes, como o metrô de Salvador.
Paulo Souto

Isso tem acontecido muito fortemente. Por uma questão de justiça, devo dizer que isso não é uma coisa de agora. As estradas estão se deteriorando há tempos. Da mesma forma o metrô. Salvador é uma cidade de 2,5 milhões de habitantes e talvez seja a única capital desse porte que não tenha ainda um transporte de massa da eficiência do metrô. Está prejudicando muito, mas nós estamos sofrendo outros problemas. Pensando, por exemplo, no escoamento da produção, é preciso encontrar uma solução logística para levar o que é produzido no oeste da Bahia para os portos do nosso litoral. Seria preciso uma ferrovia.

ISTOÉ – Um projeto já foi apresentado?
Paulo Souto

No ano passado apresentamos o Plano Estadual de Logística, que
já foi mostrado às autoridades federais. Mas, infelizmente, pelo que vejo,
essa não é a prioridade.

ISTOÉ – O sr. defende algum tipo de alteração na política econômica?
Paulo Souto

Eu não me considero qualificado para falar em alterações na política econômica. Agora, não há dúvida que esse gargalo de infra-estrutura é crítico para o crescimento. Não vamos chegar a um crescimento sustentado com a atual deficiência estrutural.

ISTOÉ – Apesar de tudo, a Bahia cresceu bem mais que a média brasileira. Qual foi a mágica?
Paulo Souto

Nós crescemos mais em conseqüência da política de atração de investimentos que o Estado tem feito. E olha que estamos falando da sexta economia do País.

ISTOÉ – A questão da infra-estrutura coloca um limite no crescimento baiano?
Paulo Souto

Eu diria que coloca um limite na eficiência, na produtividade da economia. Isso é muito grave. Nós começamos a ter ineficiências relacionadas à produção e isso é muito ruim. É uma coisa que está acontecendo no País como um todo. O fato de o Estado ter participado muito da expansão da política industrial, da atração de investimentos, ter criado condições para desenvolver uma agricultura moderna, ter atraído indústrias importantes, criado um pólo automobilístico, isso sem dúvida nenhuma está tendo grande reflexo nesse diferencial de crescimento.

ISTOÉ – No início, o presidente Lula recebia os governadores, depois os encontros foram ficando mais raros. E hoje, como anda o relacionamento?
Paulo Souto

No princípio foi uma coisa mais densa. Fizeram várias reuniões para discutir reforma da Previdência, reforma tributária. A sensação que eu tenho é que o governo resolveu seus problemas principais que dependiam de votos no Congresso. A partir daí arrefeceu um pouco. Agora estão tentando voltar com a nova discussão da reforma tributária.

ISTOÉ – O diálogo já não é mais o mesmo?
Paulo Souto

Eu acho que no princípio, até por iniciativa do presidente, o canal estava menos obstruído.

ISTOÉ – Tem algo a ver com o fato de o sr. ser do PFL, partido de oposição?
Paulo Souto

Não vejo isso. A não ser em áreas muito específicas do governo. Não creio que esse seja o problema principal.

ISTOÉ – O sr. acha que é uma questão de gerência?
Paulo Souto

Eu acho que a Bahia está sendo injustiçada com relação à política de modernização da infra-estrutura. A política que está aí lançada praticamente desconhece o Estado. Eu não vou entrar na questão de quem está sendo favorecido. Definitivamente ela não parece ser a política mais lógica. O que se está tentando fazer para a região do ponto de vista econômico não é a melhor política.

ISTOÉ – O sr. está falando da transposição do rio São Francisco, por exemplo?
Paulo Souto

Não estava pensando nisso. Estou falando mesmo da política de rodovias, de ferrovias, de portos. Você ouve falar da duplicação da BR-101, mas só entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. No Norte, fala-se na duplicação entre Natal e a fronteira de Sergipe com Alagoas. A Bahia está de fora.

ISTOÉ – E a transposição, sempre vendida como um projeto para a redenção do Nordeste, que resolveria a seca…
Paulo Souto

É muito difícil entender que, em um rio que está depreciado, ambientalmente fragilizado, se façam investimentos grandes sem que se contemple numa escala razoável o problema da revitalização. Eu insisto nesse ponto. Não é porque vão retirar 30, ou 60, ou 120 metros cúbicos do rio. Mesmo que não tirasse, o rio hoje já exige um programa ousado, um programa forte de revitalização. Outra coisa é: um investimento de R$ 4,5 bilhões – que eu acho que não vai ser só isso – em dois anos seria o melhor investimento para atender às necessidades de água da região? Acho que não. Existem outros investimentos importantes para distribuir a água que já existe. O governo tomou uma atitude muito clara de contrariar um órgão que foi criado para dar as diretrizes na questão, que é o Comitê de Bacias. A recomendação foi para que, se tivesse que retirar água do São Francisco, fosse unicamente para abastecimento humano. E isso o governo simplesmente desconheceu e vai fazer um projeto centrado na irrigação.

ISTOÉ – A Bahia está propondo pacotes de turismo étnico visando, principalmente, atrair negros americanos. Já está funcionando?
Paulo Souto

A idéia é aproveitar a questão da cultura africana na Bahia, que é forte na culinária, na música, na dança, na religião, para atrair povos que tenham ligação com essa etnia. Na Bahia, valoriza-se muito a cultura negra. Vamos ter um vôo Nova York–Salvador exclusivamente para os afro-descendentes.