11/05/2005 - 10:00
A política externa de Lula, uma das surpresas positivas do início do governo, está precisando de urgentes ajustes. A estratégia de liderar o bloco de países em desenvolvimento e com isso ter mais força de negociação com os desenvolvidos é boa, mas requer pilotagem mais sofisticada e muito mais atenta aos percursos sinuosos. E as dificuldades desses caminhos foram demonstradas esta semana com a barulheira em castelhano que veio lá de baixo, mais precisamente de Buenos Aires. As reclamações eram as mais variadas, desde as mais óbvias, requentadas e genéricas, como a de que o Brasil quer ser o rei da cocada preta, ou melhor, el rey del dulce de leche, até as fofocas em que o presidente Kirchner, enraivecido, teria dito que o Brasil está insuportável porque “quer o assento no Conselho de Segurança da ONU, quer a liderança continental na OMC e até o papa quis eleger”.
De concreto existe uma falta de sintonia interna no governo brasileiro, principalmente entre o Itamaraty e o Ministério da Fazenda, que acaba de contratar para o seu time o economista Murilo Portugal, que, quando funcionário do FMI, tratou os argentinos a pão e água durante a negociação de sua dívida. Mas também é concreta a confusão nas linhas argentinas. Segundo o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, da Universidade de Brasília e especialista em Argentina, com vários livros publicados, existe o efeito Duhalde. Antigos aliados, Kirchner e o ex-presidente Eduardo Duhalde hoje não se bicam, e para o atual presidente a aproximação de Duhalde com o Brasil é excessiva para o seu gosto. Há também certo desleixo nas relações diplomáticas com os vizinhos do sul, conhecidos pelos excessos, dos quais não escapam nem a paranóia nem o tamanho do ego. E é imperdoável que um país que tem as pretensões de liderança de bloco, como tem o Brasil, não atente para esses detalhes e, assim fazendo, mantenha os extintores de incêndio carregados, prontos e apontados para o sul, na direção da Casa Rosada e suas adjacências. Afinal de contas é para isso que serve a diplomacia.
