02/08/2006 - 10:00
A água suja na altura do peito no canal que corta a área rural de Marselha, na França, dificultava a fuga do soldado Cléber Pedrosa. Era maio de 2000 e ele fugia do Exército da Legião Estrangeira, num percurso de 130 quilômetros, a pé, escondendo-se entre plantações e vilarejos. Tinha 29 anos e seus dois filhos estavam no Brasil. Antes de virar legionário, Cléber era soldado da Polícia Militar no Recanto das Emas, uma das áreas mais pobres de Brasília. Mas ele queria ver outro tipo de guerra, de soldado de exército em combates internacionais, nem que fosse numa colônia francesa. Por isso ingressou na lendária Legião Estrangeira. Mas a aventura durou apenas 55 dias. Decepcionado com o que viu, Cléber tentou fugir pela primeira vez três semanas depois de ingressar no quartel, perto de Marselha. “Descobri que não iam pagar o dinheiro que prometeram”, diz Cléber. “E me proibiram até de usar crucifixo.” O exército de legionários o encontrou e o prendeu. Cléber fugiu na segunda tentativa.
Ao chegar a Marselha, a Legião reteve todos os documentos de Cléber. Um oficial rasgou a sua passagem de volta ao Brasil. Ele teve de assumir o pseudônimo Luis Planty, herdado de outro soldado morto, e gravar os nomes de pais fictícios. Cléber ficou 15 dias nos campos de treinamento, a 40 quilômetros de Marselha. Lá, aprendeu táticas de guerra e de guerrilha. O que o fez definitivamente mudar de idéia de seguir a carreira de soldado internacional foi uma visita ao asilo de ex-legionários. “Era um monte de gente mutilada pelas guerras, ruim da cabeça e sem contato com as famílias”, diz ele. “E os soldados são em sua maioria alcoólatras, fumantes e frustrados.” Na primeira fuga, foi rapidamente apanhado. Um oficial o chamou de maricas e ameaçou cortar seu pescoço se fugisse de novo. Ele soube que as fotos dos fugitivos são estampadas em estações de trem.
Na segunda tentativa de fuga, Cléber tinha pesadelos com a possibilidade de voltar à prisão no subsolo do prédio do quartel. “Aquilo é o inferno”, diz. Certo dia, molhado, com fome e cansado, ajoelhou e pediu que Deus iluminasse seu caminho. Conseguiu pegar um trem rumo a Perpignon, próxima da divisa com a Espanha. De lá, embarcou para Barcelona. Na Espanha, entrou em contato com um cubano que já tinha dado socorro a outro brasileiro que fugira da Legião. Depois de entrar em contato por telefone com a família no Brasil, Cléber conseguiu encontrar o registro da passagem de volta e pagou taxas para embarcar. Na chegada a Brasília, descobriu que não tinha sido desligado da PM. No momento, ele está de licença. Para contar sua história, obteve autorização especial. Agora, Cléber quer relatar sua aventura em livro. Ele acredita que vai ajudar a clarear a cabeça de muitos jovens que viajam para o Exterior em busca de aventura. Os direitos autorais serão doados à igreja onde hoje é pastor.