09/08/2006 - 10:00
Com a pele alva de quem odeia praia, a cantora carioca Marina Lima, 50 anos, sempre foi a melhor tradução de um Rio de Janeiro que foge dos clichês do “sol e Carnaval”. Mas, aos poucos, isso também virou um clichê. Ao anunciar um novo trabalho, sempre se espera de Marina aquela maneira de cantar o Rio de viés, enquadrando ora o trânsito caótico da avenida Brasil, ora o néon de um hotel da orla que se acende, indiferente à solidão. Em Lá nos primórdios, primeiro trabalho com músicas inéditas em cinco anos, Marina vai atrás de suas raízes. E elas não estão na zona sul carioca, mas no Nordeste, de onde vieram seus pais. Isso explica a presença de Valeu, uma ciranda (tradicional ritmo nordestino) entre as dez faixas do CD. “Meus pais são do Piauí, tenho parentes em Fortaleza, em São Luís. Desde o disco Pierrot do Brasil ando interessada afetivamente por essa coisa curtida e nordestina. Tenho buscado dentro de mim esse lado caboclo, solitário”, afirma.
Vinda de Marina uma ciranda, contudo, nunca será a mesma. Para começar, ela chegou ao ritmo usando um programa de computador, acrescentando posteriormente à batida acordes de piano e um batuque meio bossa nova. O que resultou é uma ciranda, mas bem moderna e eletrônica. “O importante é não ferir a alma do ritmo, aquela coisa que ninguém consegue corromper.” Apesar de a música ser o atual “xodó” da cantora, Lá nos primórdios traz outras faixas igualmente inspiradas. A que abre o disco, Três, com andamento de tango, tem a assinatura do irmão Antônio Cícero. Durante um período ela deu um tempo nas parcerias. “Chega uma hora que a gente tem que partir para o vôo solo, são os riscos que a gente tem que correr”, afirma. Mas, aos poucos, a dobradinha vem sendo retomada.
Foi com Antônio Cícero que Marina assinou algumas de suas melhores composições, como Virgem, Fullgás e Difícil. A última, aliás, regravada, assim como $ cara, outro sucesso do passado, totalmente reinventado. Marina explica que revisitou o repertório antigo a pedido da diretora e cineasta Monique Gardenberg, responsável pela direção do ótimo espetáculo de onde saiu o atual CD. “A moldura das canções estava datada. Combinava com aquela época e só reproduzi-las seria pouco para mim. Quis que elas ficassem mais parecidas com o que sou hoje.” Tudo isso só foi possível porque, devido ao fato de ser um disco independente, o trabalho saiu sem pressões e prazos, no tempo certo. “Na minha vida eu sempre fui muito livre, mas é bom poder criar dessa forma”, diz.
Junto com a independência, Marina tem descoberto o humor. “Gosto de brincar com as coisas”, conta. Na faixa Anna Bella, ao falar da diferença entre desejo e amor, ela pergunta: “Por que as mulheres não podem ter a sua sauna gay?” Mais irreverente ainda ela aparece em Vestidinho vermelho, ótima versão para a música Beautiful red dress, de Laurie Anderson. A letra faz referência à boate paulistana Lôca, chamada de “inferninho”, um dos points underground mais famosos da cidade. “No início o Alvin L., meu parceiro, queria colocar a boate 00, no Rio. Mas quando fui à Lôca vi que era o lugar perfeito para a música.” Resta saber se a casa vai tocar a homenagem em sua pista de dança alternativa.