EXPERIÊNCIA ORIGINAL Células de Semos originaram os embriões. Deles foram tiradas células-tronco que geraram neurônios

A edição online da revista Nature, uma das mais importantes publicações científicas do planeta, trouxe na última semana uma daquelas notícias que fazem história na ciência. Por dois motivos. Lá está relatada a experiência que resultou nos primeiros embriões clonados de um primata do mundo. E, a partir desses embriões, os pesquisadores conseguiram extrair células-tronco – capazes de gerar qualquer outra célula do organismo – e as transformaram em células cardíacas e em neurônios.

Coordenado por pesquisadores do Oregon Health & Science University, dos Estados Unidos, o trabalho abre uma avenida de possibilidades tanto na área de clonagem quanto na que diz respeito a terapias à base de células- tronco embrionárias. Afinal, é a primeira vez que se obtêm embriões clonados de um animal com características genéticas próximas às dos humanos. “Ao provar que é possível fazer isso com primatas, os cientistas americanos deram um passo importante para nos deixar mais perto de fazer o mesmo com seres humanos”, afirmou Alison Murdoch, do North- East England Stem Cell Institute, centro de pesquisa de células-tronco localizado na Inglaterra.

O que se espera, a partir do trabalho, é que o mesmo método adotado para criar embriões clonados de macacos possa ser usado para criar embriões clonados de seres humanos adultos que possam vir a ser utilizados como fonte de células- tronco. Nesse caso, evita-se a polêmica que envolve o uso de célulastronco embrionárias humanas. Atualmente, todas as pesquisas que vêm sendo feitas usam células embrionárias retiradas de embriões descartados por clínicas de fertilização in vitro. Muitos, porém, consideram isso um atentado à vida e à dignidade humana. Se a ciência obtiver embriões clonados de um ser humano já adulto – no caso, do próprio paciente que precise de novos neurônios, por exemplo –, resolve essa questão. E, de quebra, soluciona ainda outra: acaba com a chance de rejeição de um eventual implante, já que as células implantadas serão geradas a partir de células extraídas do paciente. “Com base no método que desenvolvemos, é possível conceber que dentro de alguns anos um paciente receba ajuda de terapia feita com células-tronco embrionárias produzidas com o material coletado de seu próprio organismo. Desta forma, não haverá preocupação com rejeição nem com a origem das células-tronco que serão usadas”, afirmou Shoukhrat Mitalipov, um dos coordenadores do estudo.

A experiência dos americanos foi feita com um macaco rhesus de nove anos de idade chamado Semos. O primeiro passo foi retirar células de sua pele. Depois, eles extraíram o material genético, o DNA, dessas células. Em seguida, os cientistas coletaram 304 óvulos de 14 fêmeas e deles retiraram o DNA. Posteriormente, o conteúdo genético do macaco foi introduzido nos óvulos “vazios”. Com metodologia apropriada, os óvulos foram estimulados a se transformar em embriões. Ou seja, criaram embriões com o DNA de Semos. E foi destes embriões que os pesquisadores extraíram as células-tronco que deram origem a células do coração e do cérebro do animal.

Descrevendo dessa maneira, até parece fácil. Mas na verdade o grupo de Oregon só conseguiu deixar seu nome na história científica porque foi capaz de dar um salto sobre um obstáculo no qual tropeçaram muitos pesquisadores mundo afora: a dificuldade de extrair o material genético dos óvulos. Isso ocorria principalmente por causa da limitação em enxergar onde está o DNA, o que obrigava os pesquisadores a lançar mão de recursos como substâncias marcadoras. Porém, esses compostos apresentam alto risco de danificar os ovos, inviabilizando seu desenvolvimento. E era isso que quase sempre acontecia. Os cientistas americanos resolveram o problema usando uma outra tecnologia que permite a “iluminação” do local exato onde estava o material a ser extraído.

Embora a mesma técnica permita a criação de clones – afinal, em tese, para se conseguir isso bastaria permitir o desenvolvimento correto dos embriões –, os pesquisadores rejeitam esse uso. No comunicado que fizeram à comunidade científica, afirmaram que a metodologia que desenvolveram pode ser usada apenas para criar células- tronco de embriões clonados e que não está disponível para clonar um animal ou um ser humano inteiro.