21/11/2007 - 10:00
"Ângela, você vai ficar até mais tarde? Preciso de uma assinatura do doutor Gustavo." Doutor Gustavo é Gustavo Kuerten, que toca em Florianópolis, junto com a mãe, Alice, o Instituto Guga Kuerten. Faz três anos que o desempenho do doutor Gustavo – que já ajudou 25 mil pessoas com projetos esportivos e ações em prol da melhoria da qualidade de vida de deficientes – é bem melhor do que o do atleta Guga. O maior tenista brasileiro de todos os tempos, ex-número 1 do mundo, não joga uma partida de simples há dez meses. Aos 31 anos, ele já pensa no futuro como doutor Gustavo. Além do trabalho social, fala em estudar matemática e atuar em projetos para o desenvolvimento do tênis brasileiro. O futuro depende de sua atuação nas quadras em 2008, "um ano de respostas", como diz. Com a morte do irmão, Guilherme, que nasceu com paralisia cerebral e era o xodó dos Kuerten, não se sabe como ficará sua motivação. Guga, que não dá entrevistas pelo telefone há dez anos, tem um patrimônio estimado em US$ 50 milhões, Por RODRIGO CARDOSO desistiu de ser o número 1 e nem sequer projeta conquistas de campeonatos. Seu objetivo é competir enquanto tiver prazer e quem sabe, num lampejo do grande tenista que foi, conseguir levantar o 21º troféu.
Escuto isso desde que começava, em meados dos anos 90. Vi a declaração do (Andy) Murray (tenista que disse que todos sabem da existência de partidas arranjadas). Não a acho a mais inteligente, mas pintaramno como o mentiroso da história, o que também não está certo. Os jogadores escutam isso no dia-adia. Os caras (apostadores) foram se aproximando, viram que estava cada vez mais fácil e foram se aproveitando.
Eu denunciaria no dia seguinte. Não sei por que quem recebeu não falou. Talvez tenha falado e ninguém deu ouvidos. É importante deixar claro que não é só o jogador que sabe disso. Deixar só nas costas do tenista não está certo. A ATP fez algumas coisas para coibir, mas não foi a fundo. Teve época em que ela proibiu os jogadores de apostarem nos jogos de tênis, só que não deu muita importância ao problema.
Não vou entrar no mérito. Senti que ele não estava na melhor condição física, não conseguia bater de esquerda. Eu o vi treinando e achei que não fosse entrar na quadra, porque estava bastante machucado. É dever da associação apurar. Um cara que vende um jogo tem de ser banido do esporte.
O Gui foi uma inspiração e demonstrou uma superação enorme. Ele trazia união, força extra para a família. Antes, em Floripa, existia muito preconceito em relação a pessoas com deficiência e hoje é diferente. Tenho certeza de que o Gui ajudou a mudar isso, a romper barreiras, porque a gente sempre o levava aos lugares. Era um cara que, sem conseguir falar, ensinou tanto. Ele conseguia contagiar qualquer ambiente com o sorriso e a alegria. Apesar dessa tristeza que sentimos agora, o Gui teve uma trajetória de sucesso e conseguiu chegar muito mais longe do que imaginávamos, muito também por mérito da minha mãe.
Minha atuação é cada vez mais vinculada ao instituto. Em sete anos, já investimos cerca de R$ 7 milhões. Temos um programa que vai abranger o Estado todo de Santa Catarina, cidade por cidade. Dividimos o Estado em seis partes. Cada ano, a gente aprova e financia 20 projetos dentro de cada região. Antes, eram outras as prioridades. Claro, o tênis ainda ocupa muito espaço, principalmente como comprometimento. Por mais que eu jogue menos, preciso me dedicar ao esporte. Mas sinto a necessidade de me informar mais, estar presente nas decisões (do instituto). E, independentemente disso, quero evoluir em outras áreas. Não quero ficar vivendo do que eu fiz no tênis.
Enquanto estiver no circuito, não sei. Tenho vontade de voltar a estudar, gosto de matemática e física. Quanto ao tênis, há uma lacuna quanto ao desenvolvimento do esporte. Tivemos o número 1 do mundo e, passados cinco anos do boom, o tênis está pior do que em 1995, quando eu apareci. Isso me deixa indignado e me atrai como desafio. Dá para eu ajudar no desenvolvimento do tênis. Estou pensando, discutindo projetos. Agora, onde e de que forma posso ser mais eficaz, não sei. Mas não vou conseguir fazer o papel do (treinador) Larri (Passos), que está todo dia ali, motivado.
O tenista não precisa ser um gênio. Quem me olhava com 16 anos, falaria: "Esse guri tá aí, pode ser profissional." Para chegar lá, além de uma vontade pessoal gigante, há um monte de fatores. Tem jogadores brasileiros que se acomodam e não pensam em dar tudo para ser o campeão, como acontece com caras do Exterior. Pensam: "Sou número 80, tenho recompensa financeira, jogo um grand slam aqui e ali, tenho um certo reconhecimento. Em dez anos, ganhei um bom dinheiro, fiz minha carreira." Há caras com receio de dar o máximo, de buscar o limite. O (Roger) Federer e o (Rafael) Nadal criaram esse tipo de lacuna. Jogadores número 5 do mundo não querem ser número 1 nem número 2. Pensam: "O Federer e o Nadal são melhores do que eu mesmo."
O tênis é um desafio pessoal. O adversário é momentâneo, entra um, sai outro. Não me mirava em ganhar desse ou daquele cara. Eu me preparava para estar um pouco melhor hoje, melhor amanhã e assim por diante. Eu era o número 1 do mundo, mas ainda procurava o detalhe, queria saber por que não encaixava determinada bolinha. Teve um momento da carreira, aos 25 anos, que eu não tinha dúvida de que seria meu melhor momento. O circuito todo estava descascado, assimilado na minha cabeça. Eu sabia onde podia render, o que teria de melhorar. Com a maturidade que eu estava, ali seria o momento de dar o pulo-do-gato e me manter no topo.
Pensar de uma maneira não positiva me prejudica. Antes, eu tinha um tipo de ambição, de exigência. Hoje, tenho outro. Mas nos dois casos quero me sentir feliz e poder alcançar os objetivos. Ano que vem quero jogar alguns torneios, ver se consigo resultados. Se eu ganhar duas partidas em um torneio, poderá ser tão prazeroso ou mais do que quando eu ganhei um torneio antigamente. Hoje, eu não busco ser o número 1, número 5, número 10. Quero ter a oportunidade de competir com um cara com quem competia antes. Eu busco o que me dá uma alegria e o tênis é muito prazeroso. Mas não é prazeroso competir com um cara sem eu ter chance de ganhar. Entrar na quadra sabendo que, se der tudo certo, jogar a bola na linha e o cara jogar mais ou menos, eu tenho 10% de chance de ganhar e 90% de perder, não é legal.
Não vejo assim. No tênis, sempre joguei para mim, individualmente. Enquanto eu tiver comprometimento, força de vontade e prazer, acho que é exemplo para qualquer um. O exemplo não é a vitória. O exemplo é a conquista pessoal. Hoje, sinto que chego num limite de 60%, 70%, do rendimento e paro aí. Nesse detalhe procuro buscar um algo a mais. Como sempre fiz. Eu me mirava em ser o número 1, mas não treinava pensando nisso. Procurava o detalhe, o aperfeiçoamento. É impossível eu jogar e ganhar três torneios seguidos, como fazia antes. Tenho uma expectativa lá no fundo, meio remota, de brigar por um campeonato, ter uma semana inspirada e fazer uma semifinal, final de um torneio. Isso corre no meu sangue, mas sei que as chances são pequenas. Mas, se me falarem que eu tenho uma única chance, eu vou.
Não. Não busco ganhar um campeonato. Se não voltar a jogar bem, vou ter de terminar com ou sem título. A minha única busca é encaixar aquela bola de antes, a concentração no jogo. Busco estar mais próximo do que eu podia fazer. Se eu não tentar hoje, daqui a cinco anos não dará mais. E não quero, lá na frente, achar que poderia ter feito um pouco mais, antes. Sempre fui persistente. Diziam que não tinha jeito, eu pensava: "Tem." O jogo tá perdido, eu pensava: "Calma."
Só ele sabe. Para mim, o bom é ser planejado. Eu não gostaria de parar como o (tenista Yevgeny) Kafelnikov (que abandonou as quadras abruptamente). Quero dizer até quando pretendo jogar, até para dar oportunidade de o público ver. Hoje, vejo com muito mais clareza o término da carreira. E só vivo nessa expectativa (de voltar a jogar em alto nível) em função de lampejos que tenho.
Não. Fui número 1, mas não vivi como tal. Segui curtindo como um cara normal. Sabia que dali a pouco viria outro. Um dia ia acabar. Já a vitória como essência na vida vicia. É uma gasolina, é do que me alimento. Depois da cirurgia, vitória era colocar o pé no chão. Hoje, jogar tênis é uma vitória – fiz duas operações no quadril!
Tenho ainda bastante restrição no quadril. A dor não é minha principal inimiga. Há situações de instabilidade e mobilidade muito piores do que a dor. O quadril continua me limitando. Preciso que ele me dê um pouco mais. E é curioso porque no começo deste ano senti que estava progredindo, que era uma questão de tempo, mas aí ele oscila um pouco.
Primeiro, eu fui para conhecer a religião. E, lá, vi gente buscando o bem para mim. Pensei: "Vou ver o que me ajuda." Mas não fui para que me fizessem jogar tênis de novo. Eu me senti feliz no ambiente. Fiz o tratamento lá, mas não entro em detalhes sobre o que aconteceu.
Os dois que me operaram tinham 100% de certeza de que eu voltaria a jogar normalmente. E isso me deixa de uma certa forma apreensivo. "Cadê? Por que não (jogo)?"
Aí é entrar em suposições. Se pudesse voltar, esperaria um pouco mais. Ficaria um ano parado me tratando e talvez nem precisasse operar,principalmente com a fisioterapia que se tem hoje. Mas todas as decisões foram pensadas. Não me arrependo.
Não e sim. Eu me operei, mas, se não tivesse (operado), talvez acontecesse diferente. A pausa foi mais por decisão própria, para ter mais liberdade para decidir algumas coisas. Mas senti falta do poder motivacional, da representatividade do Larri no dia-a-dia, sem falar da parceria, do convívio.
Quero casar, ter família. Penso bastante na necessidade do comprometimento na criação de um filho. Ganhar um grand slam é mais fácil do que criar um filho (risos). Eu acabei de me mudar agora. Construí uma cobertura e vou começar a sair debaixo das asinhas da minha mãe.
Em simples, foi em Miami, em março. Perdi para um holandês (Raemon Sluiter), não joguei bem. Por isso fiquei com aquela dúvida: vai ou não vai? Estive no master series de Madri, disputando duplas, há um mês. Perdemos um match point. Eu bato bola com os caras, mas não é todo dia que vou bem. Tenho duas coisas para buscar: me aprimorar e ver se é possível. O ano de 2008 será de respostas. Tomara que sejam boas.