09/08/2006 - 10:00
Na hora da transição em Cuba. Fidel Alejandro Castro Cruz saiu de cena na segunda-feira 31 e passou a Presidência pela primeira vez em 47 anos ao irmão Raúl Castro. E a pergunta que fica é: o que será da ilha sem Fidel? Com uma saúde combalida e prestes a completar 80 anos no dia 13 de agosto, o ditador cubano realizou uma cirurgia de emergência no intestino e avisou, por meio de nota oficial, que ficará afastado temporariamente. Mas é bem provável que, mesmo que Fidel se recupere, ele não volte mais ao poder. As mudanças no regime cubano, instaurado com a derrubada do ditador Fulgêncio Batista em janeiro de 1959, devem ocorrer, mas lentamente. Há tempos a transição vem sendo arquitetada.
Foi o próprio Fidel que designou o irmão, por meio da Constituição, como seu sucessor. Raúl Castro, 75 anos, carece de carisma e liderança, mas tem tudopara dar continuidade, ao menos nos primeiros anos, ao governo castrista. Há meio século, o segundo homem de Cuba acumula os cargos de ministro da Defesa, comandante-geral das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), vice-presidente do Conselho de Estado (governo) e ainda segundo secretário do Comitê Central. Há os que classificam Raúl Castro como mais radical que Fidel, porém mais “pragmático” e em condições de fazer uma abertura progressiva na ilha. “Foi ele quem pressionou Fidel a realizar reformas econômicas em Cuba quando os soviéticos passaram a não ajudar mais o país”, afirmou o analista político Damian Fernandez, do Centro de Estudos Cubanos na Universidade da Flórida. É dessa época a máxima de Raúl Castro: “Feijões são mais importantes que canhões.” Brian Latell, ex-analista da CIA para Cuba e autor do livro After Fidel (Depois de Fidel) afirmou que se ele continuar no poder deverá “adotar o modelo econômico da China, provavelmente dando continuidade à linha dura do regime cubano, mas permitindo mais empresas privadas”.
Analistas acreditam que no governo pós-Castro haverá um certo encorajamento de um capitalismo interno, com a formação de empresas locais. Hoje, os grandes parceiros econômicos dos cubanos são a Venezuela e a China. A Venezuela vem fornecendo petróleo para aliviar a escassez de gasolina e a perfomance do transporte público cubano. Em troca, os venezuelanos contam com os serviços de mais de 20 mil médicos e dentistas cubanos nas zonas pobres da Venezuela. Nos últimos 18 meses, a economia cubana cresceu 8% e as importações quase dobraram.
A nova direção cubana, que, além de Raúl Castro, conta com o vice-presidente Carlos Lage e o primeiro-ministro das Relações, Felipe Pérez Roque, não quer que Cuba sofra a mesma decadência econômica dos países do Leste Europeu após a queda do muro de Berlim. Os novos governantes já disseram que as pérolas do regime cubano, educação e saúde, devem ser mantidas. “O povo cubano é muito consciente dos aspectos mais atraentes do sistema comunista, como educação e saúde gratuitos. Por mais que se sinta atraído pela sociedade e estilo de vida americanos, sabe que isso vem com enorme custo”, disse Richard Gott, historiador britânico e autor de Cuba – uma nova história.
Quanto às mudanças políticas, elas devem ser graduais, apesar do anseio de alguns de haver eleições diretas. Dois em cada três cubanos nasceram depois da revolução e não conhecem outro sistema político. Apesar de longos anos de repressão, ainda há incerteza se Havana arderá em chamas ou haverá um êxodo rumo a outros países. O famoso dissidente Oswaldo Paya aposta em uma onda de distúrbios violentos contra a sucessão comunista. “A oligarquia dominante precisa decidir se continuará agarrada ao poder e aos privilégios ou se oferecerá oportunidades a todos os cubanos”, diz Paya.
Ao saber do afastamento de El Comandante, a comunidade cubana anticastrista na Flórida foi às ruas dançar salsa e comemorar. Mas o governo do presidente George W. Bush – a décima administração americana a combater Fidel Castro – vê essa comemoração antecipada com cautela. Agentes da CIA (serviço secreto dos EUA) relataram que a transferência provisória de poder é um “teste” para ver como Raúl Castro se sairá no comando. “Eles estão observando as (próprias) ruas, bairros e lugares mais distantes para ver como as pessoas, governos estrangeiros e os cubanos nos Estados Unidos reagem”, disse a CIA. A temeridade do governo americano é que seja dada a largada de um intenso fluxo entre a comunidade cubana na Flórida e os cubanos ansiosos para entrar nos Estados Unidos. Neste ano eleitoral, os anticastristas – devotos do republicano George W. Bush – são importantes nas urnas.
Bush nunca escondeu sua vontade de se livrar do ditador. Em 2003, criou a Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, que estabeleceu um plano para uma eventual queda do regime de Fidel. Hoje, um dos objetivos é tentar impedir que Raúl Castro permaneça no poder. “Nós queremos ver um processo pelo qual o povo cubano eleja democraticamente seu futuro governante”, afirmou o secretário de Comércio, Carlos Gutierrez, americano de origem cubana. A comissão revelou que destinou um orçamento de US$ 80 milhões às organizações anticastristas para ampliar a propaganda pró-EUA na ilha. A Casa Branca também lançou uma nova ofensiva a países latinos e europeus para que não apóiem a legitimidade da presidência de Raúl Castro. Os EUA também mantêm uma lista de membros do regime que teriam violado os direitos humanos e que poderiam ser apresentados em tribunais internacionais. Apesar dessas medidas, ao menos por enquanto, uma ofensiva militar está totalmente descartada. Tio Sam sabe que basta um Iraque para entender que nesse momento não há nem respaldo popular nem recursos para uma operação desse porte.