04/05/2005 - 10:00
A retirada das tropas sírias do Líbano, onde permaneceram durante 29 anos como força de ocupação, revelou um dos calcanhares-de-Aquiles mais sérios das ditaduras hereditárias. O Exército sírio desembarcou no Líbano em 1976, um ano depois da eclosão da violenta guerra civil provocada pela presença de refugiados palestinos no país. Os sírios vieram a pedido do então presidente libanês Suleiman Franjieh, cristão maronita, para contrabalançar a influência da OLP e de forças muçulmanas esquerdistas que então lá atuavam. O Líbano, como se sabe, é um país onde cristãos, muçulmanos – sunitas e xiitas – e drusos lutam pelo poder desde a independência da França, em 1943. No auge do conflito, o efetivo sírio chegou a 40 mil homens. Mas logo os cristãos se tornariam os maiores inimigos dos sírios, que criavam ou apoiavam milícias muçulmanas, como a Amal e o Hizbolá (Partido de Deus), agravando seriamente o conflito. Em 1990, o ditador Hafez Assad, num golpe de mestre, não apenas apoiou a coalizão liderada pelos americanos contra o Iraque como também enviou tropas para a invasão, no ano seguinte. Com isso, Damasco obteve apoio tácito do Ocidente para transformar o Líbano numa espécie de protetorado sírio depois do final da guerra civil. Mas seu filho e sucessor, Bashar Assad, sem nenhuma habilidade política, incapaz de propor alternativas diante da forte pressão internacional, foi obrigado a aceitar a Resolução 1559 da ONU e retirar os últimos soldados sírios do Líbano.
A gota d’água ocorreu em 14 de fevereiro, quando o ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri foi assassinado num violento atentado a bomba no centro de Beirute. Hariri, empresário que liderou a reconstrução do Líbano depois da guerra civil, tornara-se um crítico da ocupação síria. Seu assassinato foi atribuído ao onipresente serviço secreto da Síria, o que provocou inéditas manifestações populares contra a ingerência de Damasco no país. Os EUA e a França fizeram coro e deram força à Resolução 1559 da ONU, aprovada ainda em 2004.
Seja ou não o assassinato de Hariri obra dos sírios – há quem jure que houve a mão do Mossad ou da CIA –, o presidente Bashar Assad teve de engolir uma retirada inglória. Com isso, inadvertidamente, pode ter aberto caminho para a democratização do Líbano. “Tivemos sucesso na luta pela soberania, mas ainda falta sermos bem-sucedidos na revolução democrática”, disse ao advogado Chibli Mallat, do Centro de Estudo da União Européia.