WELLINGTON CERQUEIRA/AG. ISTOÉ

ECONOMIA This diz que basta um ovo para fazer claras em neve. O preparo cresce com adição de água ou suco

Quando um grande chef se apresenta em público para ensinar suas especialidades, surge geralmente em um impecável uniforme branco. O francês Hervé This, 52 anos, prefere ternos. Ele não é propriamente um chef, e sim um cientista cujo foco de trabalho está na culinária. Ao falar de suas descobertas, ele utiliza potes, jarras, batedores, pipetas, sucos e elementos químicos. This é um dos criadores da gastronomia molecular, um campo da ciência que estuda os mecanismos físico- químicos por trás das receitas. Seu trabalho inspirou uma leva de badalados chefs, como o genial Ferrán Adriá. Apesar disso, faz questão de salientar: “A gastronomia molecular é diferente da culinária molecular, que é cozinhar usando novos métodos e ferramentas.”

This coordena um laboratório de pesquisas em Paris que estuda as estruturas moleculares para entender o que ocorre com os alimentos quando são cozidos e misturados a outros ingredientes. Afinal, preparar um alimento significa promover uma integração entre as moléculas de cada parte do ingrediente, que podem se modificar sob uma determinada temperatura. Nesse sentido, tais estudos contribuem para encontrar a melhor maneira de elaborar um prato ou até mesmo reinventálo. “Viva a química”, brinca o cientista.

Investigações detalhadas assim levam tempo – uma das pesquisadoras do laboratório necessitou de três meses para analisar um caldo de cenoura, que foi submetido até a um aparelho de ressonância magnética. Os experimentos explicam acertos e erros diante do forno e fogão. “Receitas são protocolos. Se dizem para batermos as claras em neve, estamos lá, batendo as claras sem saber por que fazemos isso”, diz. No caso de um suflê de queijo a maneira como esse movimento é feito responderá pelo sucesso – ou fracasso – da receita. É preciso bater claras de ovos com boa intensidade para que as bolhas de ar se movam lentamente pela mistura, o que “puxará” o suflê para cima. O ovo, aliás, é uma das estrelas das “aulas” que This ministra pelo mundo. Em suas apresentações, ele ensina a fazer um metro cúbico de claras em neve com apenas uma clara. “Adicione água ou um suco de frutas enquanto bate.”

This esteve no Brasil na semana passada para uma série de palestras e foi recebido como uma celebridade da gastronomia. Na Faculdade Anhembi-Morumbi, em São Paulo, deu autógrafos ao final de sua apresentação. E sugeriu uma nova cara para a caipirinha. Sua proposta foi servi-la como sorvete preparado com nitrogênio líquido, uma técnica que permite elaborar a delícia fria sem recorrer à geladeira. “Podemos mudar o mundo culinário. Hoje comemos o mesmo frango assado como fazíamos há mil anos. E muitos utensílios são da idade média”, provoca. “Gostaria de mudar a forma como as pessoas cozinham.”

O cientista tem uma parceria com o chef francês Pierre Gagnaire, a quem apresenta desafios. Um dos mais recentes: esmagar sal ou açúcar em um pilão com ingredientes oleosos (azeitonas, por exemplo) e coloridos, caso da cenoura, para obter um condimento novo. “Sabor é fundamental, tanto quanto o amor em cozinhar. O visual é interessante, porém freqüentemente há belos pratos de se olhar, só que com pobre sabor.” This cozinha diariamente, exceto quando viaja para dar suas palestras. Nessas ocasiões, um de seus dois filhos assume as panelas porque sua esposa é uma famosa oncologista na França. Muito ocupada, portanto. “E ela não cozinha há mais de 25 anos”, emenda.