O jornalista e escritor sueco Stieg Larsson morreu em 2004, de infarto, aos 50 anos, quando mal acabara de finalizar a sua trilogia de histórias policiais chamada Millennium. Como até então nenhum dos livros que compõem a série havia sido publicado, ele faleceu no anonimato, pelo menos como autor – seu nome já ganhara certa notoriedade, mas em outro setor, o do combate aos movimentos que tentam ressuscitar o fascismo e o nazismo. Um ano após a sua morte, veio à luz o primeiro volume, chamado Homens que odeiam as mulheres (em inglês The girl with the dragon tatoo). Tornou-se best seller da noite para o dia e apressou a publicação dos outros dois títulos: The girl who played with fire e Castles in the sky. Só para se ter uma idéia do sucesso, na Suécia, por exemplo, foram vendidos 2,7 milhões de exemplares de seus três livros em dois anos – e está-se falando de um país que tem nove milhões de habitantes. Também na França, Itália, Alemanha e Dinamarca as obras de Larsson estão no topo da lista das mais lidas. Além disso, outros 34 países já compraram os direitos de publicação, entre eles o Brasil (quem adquiriu foi a Companhia das Letras). O recorde de vendas só se compara a sucessos como o de O código da Vinci e de Harry Potter. Segundo o gerente da Editora Nordstedt, detentora dos títulos, a trilogia "é mais do que um best-seller, é um fenômeno

Os quatro anos dessa curta e extraordinária "carreira" da trilogia tiveram efeito devastador sobre a vida da viúva de Larsson, Eva Gabrielsson. Depois de perder subitamente o companheiro com quem vivera durante três décadas (eles se conheceram aos 18 anos numa manifestação contra a guerra do Vietnã), Eva enfrenta agora uma batalha judicial pelos direitos sobre as vendas. Até o apartamento em que viveu com Larsson foi requisitado na Justiça em ação movida contra ela pelo sogro e pelo cunhado, uma vez que o casal nunca chegou a oficializar a sua união. Para complicar ainda mais a história, foi encontrado um testamento de Larsson no qual ele destina seus bens a um grupo comunista. Mas nem tudo são lágrimas para a viúva Eva: ela guarda consigo um belo e poderoso trunfo, nada mais, nada menos, que as primeiras duzentas páginas do que viria a ser um quarto volume da série Millennium. Essa obra inacabada foi encontrada no laptop do marido. "Eles não se preocupam com nada além do dinheiro. Isso tudo é parte do que foi a nossa vida", diz Eva. Enquanto o imbróglio familiar se desenrola nas cortes de Estocolmo, a notícia de que existe uma continuação dos enredos policiais protagonizados pelo jornalista Mikael Blomkvist (alter ego do escritor) e pela especialista em informática Lisbeth Salander (a garota tatuada com o dragão) já entusiasma o mercado. E a editora sueca Nordstedt avalia a possibilidade de concluir, com outros autores, o livro inacabado.

"Eles não se preocupam com nada além do dinheiro. Isso tudo é parte
do que foi a nossa vida"

Eva Gabrielsson, viúva de Stieg Larsson

Os três romances possuem cerca de 500 páginas cada um, escritas num ritmo eletrizante. A história de Homens que odeiam as mulheres começa com Blomkvist no tribunal perdendo uma ação para um industrial que o processou por difamação e calúnia porque fora chamado de corrupto pelo jornalista. A derrota obriga Blomkvist a fechar a sua revista Millennium e é nesse momento que Henrik Vanger, um empresário milionário, pede para que ele coloque suas habilidades investigativas para desvendar o misterioso desaparecimento de sua sobrinha Harriet, que ocorrera há 40 anos numa ilha na Suécia. Em troca, o empresário promete provas para incriminar o industrial que o fizera cair em desgraça e, também, dinheiro suficiente para a reabertura da Millennium. O livro combina à extrema perfeição histórias reais, fatos sociais e a mais pura ficção, resultando dessa mistura (é aí que entra o talento de Larsson) a impressão de que tudo é verdadeiro. Pois bem, seguindo-se o enredo, Blomkvist e sua parceira Lisbeth partem para uma remota ilha numa região desolada da Suécia em pleno rigor do inverno europeu (a ação também se passa na Austrália e na França). É o início de uma sucessão de acontecimentos que os aproximam do conturbado e corrupto universo que envolve o clã de Vanger. No decorrer desse thriller o autor constrói um panorama crítico do mundo moderno, transita por diversas áreas do conhecimento (tecnologia, psiquiatria, sociologia e ética, por exemplo) sem perder o ritmo, o humor, a ironia e, sobretudo, a capacidade de criar suspense. A aposta é que o sucesso de Millennium cresça cada vez mais, e prova disso é que o livro Homens que odeiam as mulheres já virou filme. Está sendo produzido em Estocolmo e tem estréia prevista para o ano que vem.

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Legado social
O thriller policial de Stieg Larsson incorpora tecnologia e dilemas sociais e morais do mundo moderno
 
 

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