06/09/2006 - 10:00
Quando a Polícia Federal desencadeou a Operação Predador e prendeu o presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Gilberto Linhares, e mais 15 integrantes da diretoria, imaginou-se que terminava ali o esquema de corrupção que engoliu cerca de R$ 50 milhões e resultou no assassinato de quatro pessoas. Por dez anos à frente da entidade que representa 1,2 milhão de enfermeiros, eles colecionaram licitações superfaturadas e contratações irregulares. Linhares foi condenado e continua preso, mas as grades não interromperam as ações criminosas no Cofen. Empresas continuaram a ser contratadas por preços acima do mercado, produtos foram comprados por valores superfaturados e o grupo do antigo chefão seguiu dando as cartas no conselho. “Fui muitas vezes visitá-lo na cadeia. Conselheiros e assessores passavam com ele várias horas”, conta Carmen de Almeida, a enfermeira que substituiu Linhares interinamente na presidência. O novo rombo, produzido depois das prisões, é estimado em R$ 20 milhões, mas pode ser maior. “Sumiram todos os documentos das movimentações de 2005 e alguns de 2006”, denuncia a nova presidente, Dulce Huf Bais, que colabora nas investigações. Ela cancelou 15 contratos e reviu outros 15, todos por causa de superfaturamento. Em junho, o procurador da República Edson Abdon denunciou por escrito que vários funcionários do conselho ligados a Linhares continuavam “repassando informações privilegiadas” a ele, possibilitando que “do interior do seu cárcere comande os asseclas que lhe são subordinados”. A nova presidente enfrenta oposição do grupo de Linhares e vários processos para intimidá-la. A PF destacou dois agentes para acompanhá-la, uma precaução que se justifica pelos antecedentes. Há sete anos, o presidente da Associação Brasileira de Enfermagem, Marcus Valadão, e a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro, Edma Rodrigues, foram assassinados quando investigavam as irregularidades no Cofen. Além destes, houve outros dois homicídios: o conselheiro Guaracy Novaes e o motorista da entidade, Carlos Machado, foram mortos em 1997 e 2000, respectivamente. Os crimes não foram esclarecidos até hoje. Os altos valores movimentados pela entidade alimentam a cobiça de alguns. Somente em abril deste ano, um dos meses cobertos pelos documentos contábeis que sumiram, o Cofen gastou R$ 2,5 milhões em pagamentos por serviços e produtos ignorados. Como desapareceram todos os papéis relativos à movimentação financeira do ano passado e alguns meses deste ano, estima-se que ao final da apuração o rombo de R$ 20 milhões pode chegar ao dobro. A julgar pelos contratos revistos pela atual diretoria, boa parte dessa quantia foi gasta de forma ilegal. Silvio Rocha/Ag. o Globo Predador: Linhares comanda a corrupção Há de tudo um pouco. O contrato de assessoria jurídica com a empresa Monte & Reinol foi reajustado, sem concorrência, de R$ 30 mil para R$ 49 mil mensais. A editora Mondrian recebia mensalmente R$ 30 mil para fazer publicidade de uma publicação que não pertencia ao Cofen. A mesma editora recebeu em abril R$ 960 mil pela venda de livros que o conselho não recebeu. Quando Dulce assumiu, a autarquia desembolsava R$ 92 mil por aluguel de computadores que, se comprados, custariam R$ 500 mil. Em dezembro, depois de gastar nesse aluguel uma quantia muito maior que a necessária para comprar os equipamentos, a antiga diretoria resolveu adquiri-los: pagou R$ 2,1 milhões, quatro vezes o valor estimado pelo mercado. Luiz Carlos da Silva Neto, advogado de Linhares, tenta defender o cliente: “Essa acusação é surpreendente. Acho difícil que, diante de toda a fiscalização, alguém consiga praticar tais atos na prisão. Isso é perseguição.”