06/09/2006 - 10:00
Toda semana, o caminhoneiro Sebastião Rodrigues cruza as fronteiras do País com sua carreta carregada de frutas e verduras embarcadas em São Paulo. Vai à Argentina, ao Chile, à Bolívia. Na boléia, leva uma bandeira do Brasil, uma imagem de São Cristóvão ? protetor dos motoristas ? e a certeza de ter definido em quem vai votar para presidente. De acordo com as pesquisas, o paranaense Sebastião faz parte de uma maioria de brasileiros. São os 87% de eleitores, segundo o instituto DataFolha, que já escolheram um candidato. Um contingente de 109 milhões de pessoas com mais de 16 anos de idade. Às vezes triste, outras indignado, o caminhoneiro não perdeu a esperança em transformar a realidade com seu sufrágio. ?Ainda tenho fé que as coisas podem mudar para melhor?, diz ele. ?E acredito que o voto é o melhor instrumento para isso.? Para um grupo estimado em 8,9 milhões de eleitores, no entanto, o jeito certo de acertar as contas com o presente é anular o voto. Segundo a mesma pesquisa, 7% dos eleitores têm a intenção de ir às urnas de 1º de outubro para invalidar seu próprio direito à escolha. Caso isso se confirme, será um fenômeno pronto e acabado para muitos estudos sociológicos. Nas últimas eleições presidenciais, afinal, apenas 2% dos eleitores efetivamente anularam seus votos. Hoje, se depender de brasileiras como a paulistana Cláudia Gonçalves, 23 anos, instalada confortavelmente na classe média paulistana, o voto nulo será de fato uma das vedetes do dia da eleição. ?Estou decepcionada?, conta ela. ?Esperei por uma revolução que não aconteceu. Não acredito em mais nada.? Entre os mais jovens ainda, porém, as projeções vão apontando para uma maior confiança no voto. A adolescente brasiliense Luiza Molina, 17, acaba de tirar seu título de eleitora. Ela está ao lado de outros 3.089.761 de brasileiros com idades entre 16 e 17 anos que votarão pela primeira vez. Luiza faz parte de uma organização não-governamental que estimula o diálogo sobre o voto consciente. Ela ainda não tem candidato a presidente, mas desde já sabe que vai, sim, escolher um. O voto nulo não passa pela sua cabeça. ?Queremos construir uma opinião em busca do bem comum?, filosofa Luiza. ?Para atingir nosso objetivo, necessariamente precisamos votar.? A militância de jovens iguais a Luiza já rende frutos. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos últimos quatro anos o número de eleitores entre 16 e 17 anos, aos quais o voto é facultativo, cresceu 39,3% em relação à eleição de 2002. No outro extremo do mapa etário, aquele que abrange os maiores de 70 anos, para os quais o voto é facultativo, estão quase 14% dos eleitores de 2006. ?Voto toda eleição. Não é por causa da idade que vou deixar de exercer meu direito de cidadã?, diz a carioca Astrogilda Braga Pinto, 77 anos. No cruzamento das estatísticas com o eleitor de carne e osso, ISTOÉ encontrou o estudante paulista Lourenço Maciel. Na última aferição do Instituto Ibope, ele está entre os seis em cada dez brasileiros que gostariam que o voto fosse totalmente facultativo. E que, nesse caso, desde já avisam que nem sequer passariam perto de uma das 3.073 zonas eleitorais do País, em que estarão dispostas 400 mil urnas eletrônicas. ?O sistema está sujo, temos que mudar?, discursa Lourenço, um dos coordenadores de uma campanha pela internet a favor do afastamento das urnas. ?Vamos panfletar, fazer passeatas e tudo o que pudermos para conseguir adeptos a nossa causa?, antecipa. Um fator surpreendente, quando se traça o perfil do eleitor brasileiro, é o contingente dos que admitem ter o seu próprio voto à venda. Segundo a ONG Transparência Brasil, 3% do eleitorado nacional ? ou quase quatro milhões de pessoas ? assumem essa condição. O dentista cearense F.C.F., 32 anos, é um desses tristes exemplos. Representante da família dos Filgueiras, potência política na região do Cariri, F. há 12 anos vende e compra votos no sul do Ceará para seus candidatos. As quantias variam de acordo com o eleitor. ?Se é um pai de família com muitos eleitores e influência, o valor pode chegar a R$ 300 para ele e R$ 10 para cada voto que ele nos trouxer?, revelou F. a ISTOÉ. Por razões óbvias ? a certeza de estar praticando um crime ?, ele pediu para não ser identificado. De onde menos se espera, ou melhor, de onde se diz haver mais despolitização ? o mundo dos torcedores organizados de futebol ?, é daí mesmo que aparecem boas surpresas. Vice-presidente da Gaviões da Fiel, uma das maiores torcidas organizadas do País, o corintiano Wildner Rocha, 28 anos, lembra que sua organização ministra cursos regulares de formação política para os sócios. A Gaviões defende a reforma agrária e o voto identificado com candidatos da chamada esquerda política. ?O processo da eleição mexe com nossa vida?, diz Wildner. ?Acompanhamos a evolução da política econômica e os movimentos estudantil e sindical. Não poderíamos ficar de fora da hora mais importante da democracia.?