Dois corpos se soltam ao som de um repertório eclético, que passeia pelos clássicos americanos, boleros, samba, forró e até rock. O importante é despertar nos casais a irresistível vontade de dançar. Rodopiam, trocam olhares e se entregam à sensualidade da atmosfera. Essa é a química dos bailes de orquestra, festas que renasceram no Rio de Janeiro e começam a tomar as boas casas do restante do País. A mistura dos clássicos com os ritmos contemporâneos, além de atrair os mais maduros, encanta um grande número de jovens. Os grupos criam sites e eternizam sua trajetória em DVDs, seja a tradicional Orquestra Tabajara, seja a novata Imperial. O interesse pelo gênero é tanto que a rede de ensino carioca Estácio de Sá abre em outubro o primeiro curso superior de dança de salão, com mais de 100 inscritos, sob a coordenação de Carlinhos de Jesus. ?O gás dos bailes de orquestra é proporcional ao crescimento das academias de dança, que explodiram a partir dos anos 90?, relata Carlinhos, mestre da dança carioca em atividade há 27 anos. As orquestras mudaram seus perfis para se adaptar ao século XXI. Muitas se formaram em função de algum evento e acabaram se consolidando. É o caso da Imperial, cujos músicos se reuniram a partir de 2002 na casa de shows Ballroom, no Humaitá, zona sul do Rio. ?Foi quase uma brincadeira. Em 15 minutos juntei 17 pessoas?, lembra Bernard Seppas, percussionista que pilota os sintetizadores da orquestra, um toque de modernidade na forma de um notebook. São 19 componentes, entre eles Rodrigo Amarante, da banda de rock Los Hermanos, e a atriz Thalma de Freitas. Eles se divertem com o trabalho e contaminam quem está em volta. ?A orquestra é o plano B de todos?, pontua Seppas. Quem não resistiu ao charme do grupo foi Luciana Santanna, 23 anos, autora do blog Elas adoram orquestra. ?O que mais curto é a ?mistureba? do repertório. Vai do samba ao bolero e passa por composições irreverentes deles próprios, como o rock Artista é o c…?, diverte-se. Foi numa dessas apresentações que Luciana conheceu o namorado, com quem está até hoje. Como nos áureos tempos, os bailes de orquestra têm funcionado como cenários românticos. O veterano Severino Araújo, pernambucano de 89 anos, que comanda a Tabajara desde os 21, já cansou de ouvir histórias de casais que se conheceram em seus bailes. A campeã de inspiração é Moonlight serenade, sucesso do maestro americano Glenn Miller. Acompanhado de 21 componentes, Severino tem observado muita gente jovem em meio aos coroas, seus fiéis freqüentadores. ?A garotada não sabe dançar a dois. Gosta é de se soltar?, analisa. Entre eles, está o neto Ian Araújo Sena, 23 anos, e a namorada, Belle Paiva, 20. ?Comecei a ir aos bailes aos dez anos. Hoje vou mais por causa da música do que da dança?, diz. O sangue novo também se faz notar na própria formação das orquestras. Na Barrados no Baile, criada em 1998, com 23 músicos, o mais velho é o maestro Antonio Henrique Seixas, 32 anos. Assim como a Imperial, a orquestra já tem sua comunidade no Orkut. ?Nosso público não é o das big bands (grandes orquestras). Somos todos jovens e criamos uma sintonia na nossa faixa etária?, explica. A situação é parecida com a da Orquestra Republicana, com 11 músicos e um ano de vida. Eles injetam alegria nas noites de sábado do Clube Democráticos, tradicional reduto boêmio, criado em 1867. ?Nosso repertório varia a cada sábado?, descreve Mariana Bernardes, 29 anos, que também toca cavaquinho na banda Garrafieira. No domingo, predomina a faixa acima de 40 no Clube Democráticos. A maioria já se conhece e parece viver em tempos remotos, quando todos trajavam esporte fino e seguiam as normas dos bailes. Pretinho básico rodado, salto sete centímetros, a carioca Maria José Ribeiro comemorou seus 53 anos com o que chama de ?família?. ?Aqui a maioria se conhece, não tem muita paquera?, conforma-se. Já o cearense José Armando Porto, 65 anos, o ?Pé de Valsa?, parece não perder as esperanças. ?Só Deus sabe o que acontece quando o baile termina?, brinca. Quem quiser saber mais sobre essa saborosa mistura de passado e presente não perde por esperar Chega de saudade, filme de Laís Bodanzsky, a premiada diretora de Bicho de sete cabeças, que será lançado em 2007. ?É um cenário encantado?, derrete-se. Pode ainda caçar nos jornais o local do próximo baile. É diversão na certa.