O cardeal alemão Joseph Ratzinger, decano do colégio cardinalício e guardião da ortodoxia católica, que completou 78 anos neste sábado 16, viveu tempo suficiente para participar dos últimos dois conclaves, em 1978. Aliás, dos 117 cardeais eleitores, apenas ele, o americano William Wakefiel Baum e o filipino Jaime Sin tiveram esse privilégio. Ratzinger, contudo, nunca foi um papabile muito forte: sua ortodoxa postura e sua frágil saúde o afastavam do topo das listas de candidatos ao trono de São Pedro. Ele seria, no máximo, um grande eleitor. No entanto, no interregno entre os funerais de João Paulo II e o conclave, que terá início na segunda-feira 18, parte da mídia européia, ávida de informações depois que o próprio Ratzinger baixou uma espécie de lei do silêncio sobre o colégio cardinalício, começou a mencionar insistentemente o nome do prelado alemão como um forte candidato para a sucessão de João Paulo II. Vaticanólogos renomados, como Marco Politi, chegaram a dizer que o prefeito para a Congregação da Fé já teria entre 40 a 50 votos entre os 78 necessários para se eleger sumo pontífice. “Nos últimos dias, Ratzinger emergiu como um candidato para um pontificado de transição, isto é, alguém talhado para fazer algumas reformas e evitar uma revolução como a que sucedeu a eleição de João XXIII em 1958”, diz Politi.

Mas Ratzinger não é discípulo de Cândido, o Otimista, e sabe como pode ser efêmera essa repentina celebridade. Ele certamente se lembrará que nos dois conclaves daquele ano que teve três papas – Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II – havia dois grandes francos favoritos que acabaram voltando para casa como cardeais: o ultraconservador Giuseppe Siri (1906-1989) e o moderado Giovanni Benelli (1921-1982). No conclave para a eleição do sucessor de Paulo VI, em agosto de 1978, Siri chegou a ter 35 votos de 111 cardeais eleitores – o brasileiro Aloísio Lorscheider, por exemplo, teve 12, entre eles o de Albino Luciani, futuro papa João Paulo I. Benelli e outros moderados conseguiram armar uma composição política para eleger o patriarca de Veneza, Albino Luciani, 67 anos.

Contudo, o “papa sorriso”, de saúde frágil, morreria apenas 33 dias depois. No conclave seguinte, em outubro de 1978, Benelli saiu na frente, sem no entanto conseguir maioria dos votos – o Terceiro Mundo rejeitava sua candidatura. Siri perdeu as chances depois que uma entrevista que ele deu ao jornal Gazzetta del Popolo, de Turim, com duras críticas à colegialidade da Igreja, foi publicada antes do início do conclave. Com o apoio do cardeal austríaco Franz König, o polonês Karol Wojtyla recebeu adesão maciça de prelados do Terceiro Mundo e acabou eleito papa, com 99 votos.

Articulações – Seja como for, os dados estão lançados e Ratzinger está na corrida. Segundo o Corriere della Sera, os cardeais Camilo Ruini, ex-vigário de Roma, Angelo Scola, patriarca de Veneza, e o colombiano Alfonso López Trujillo, presidente do Conselho da Família, seriam os principais articuladores da candidatura Ratzinger. Caso ela se revele inviável, as alternativas desse grupo conservador seriam os próprios cardeais Scola, Ruini ou o austríaco Christoph Schönborn, 60 anos. A opção deste grupo poderia recair também sobre um latino-americano, com destaque para dom Cláudio Hummes, 70, que é considerado muito ligado à Cúria, apesar de seu passado “progressista”.

Do lado “liberal”, as especulações agora se voltam para uma estrela de primeira grandeza, o arcebispo emérito de Milão, Carlo Maria Martini, 78, seguramente o mais esclarecido dos cardeais-eleitores. Mas Martini está doente – ele também sofre do mal de Parkinson – e só seria escolhido se o conclave estivesse disposto a fazer uma espécie de Concílio Vaticano III para sacudir as estruturas da Igreja. Por isso, essa ala reformista, que também inclui os alemães Walter Kasper e Karl Lehman, além do belga Godfried Danneels, poderia optar pelo sucessor de Martini em Milão, Dionigi Tettamanzi, 71 anos, um moderado que circula melhor por todas as alas da barca de Pedro.

Até agora, são tudo balões de ensaio. Mas nenhuma surpresa pode ser descartada neste primeiro conclave do século XXI.