Perna de pau e olho de vidro já não causam espanto. Tempos atrás, produto pirata só era usado sob disfarce. Quem tinha um Rolex made in Paraguai jurava que a jóia era legítima. Hoje, os produtos falsificados estão por toda parte. Certamente você já tem o seu. DVDs e softwares a menos de R$ 10 e CDs a R$ 3 declaram sua origem clandestina na capa malfeita. Bolsas, relógios, óculos de sol, tênis, roupas e perfumes piratas conquistam um número cada vez maior de consumidores de todas as idades e classes sociais. O pior é que mesmo quem poderia adquirir peças originais prefere os falsificados. “O custo de uma locação na Blockbuster é superior ao de qualquer DVD pirata, que chega ao camelô quando o filme ainda está em cartaz, gravado de dentro do cinema”, conta a estudante de relações internacionais Camila Póvoa, 20 anos. “Prefiro ter dez piratas a comprar um legítimo”, diz.

Um em cada três DVDs vendidos no Brasil é “genérico”. Também são ilegais dois em cada três softwares e metade dos tênis e CDs. No País, o mercado ilegal movimenta anualmente R$ 56 bilhões, segundo a consultoria internacional McKinsey, e causa a perda de R$ 8 bilhões por ano em evasão fiscal. De acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), um em cada quatro consumidores da classe A e um em cada três da classe B compram CDs piratas. Nas faixas C e D, os mesmos produtos cativam metade da população. “Esse mercado paralelo foi responsável por fechar quase dois mil pontos-de-venda de discos na última década”, diz o diretor-geral da ABPD, Paulo Rosa. Outra pesquisa, realizada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, mostrou que 59% dos cariocas fazem compras no mercado informal, parcela que alcança 47% da classe A, 49% da classe B e até 66% da classe C. A meca da pirataria no Rio é o camelódromo da rua Uruguaiana. O cartunista Adão Iturrusgarai já frequentou o local. “Sempre gostei da marca Adidas, mas não tinha dinheiro. Achei uns calções e um relógio. É claro que eu preferiria ter os originais, mas os valores são absurdos”, diz. Não à toa, a proposta mais festejada do recém-criado Conselho Nacional de Combate à Pirataria é a diminuição da diferença entre os preços do original e da cópia. “O produto oficial ficará mais competitivo com o remanejamento de impostos e o lançamento de linhas populares. O pirata ficará mais caro ao dificultarmos sua entrada no País e ao fazermos apreensões”, resume Luiz Paulo Barreto, presidente da entidade.

No primeiro trimestre, a Receita Federal apreendeu em Foz do Iguaçu mais que o dobro de DVDs gravados e 35% mais DVDs virgens do que no ano passado inteiro. A vigilância das fronteiras é necessária porque 80% dos produtos piratas vêm de fora, em especial da China, onde 92% dos softwares e 90% dos CDs são ilegais. No Brasil, softwares e CDs falsificados representam 64% e 52% dos respectivos mercados. Desde o ano passado, os americanos ameaçam retirar dos exportadores brasileiros a isenção alfandegária conhecida como Sistema Geral de Preferências. Alegam que o País é conivente com o mercado paralelo e que eles são as maiores vítimas. Mas as remessas de divisas relativas à propriedade intelectual para os EUA nunca foram tão grandes. Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, alfineta o protecionismo americano. “A pirataria representa uma competição desleal. Mas as barreiras impostas em certos países a produtos brasileiros representam uma competição igualmente desleal”, disse ele no seminário “O Brasil contra a pirataria”, realizado em março pela Fiesp, com a presença do senador americano Norm Coleman. “Nos Estados Unidos, só o mercado ilegal de softwares causa a perda de US$ 6,5 bilhões, 12 vezes mais do que aqui”, comparou Furlan.

Cartada –

Para mostrar aos americanos que não existe conivência e dar a última cartada contra as ameaças de sanção, o Rio de Janeiro sediará em junho a 1ª Semana Internacional de Combate à Pirataria. Na ocasião, agentes da Interpol (Polícia Internacional) estarão presentes para ensinar a policiais brasileiros e funcionários da Receita técnicas de repressão à falsificação. No dia 12 do mesmo mês, a Marquês de Sapucaí será tomada por passistas de seis escolas de samba, que pisarão em produtos apreendidos na cidade e mostrarão sambas-enredos desenvolvidos sobre o tema. Nos próximos dias 28 e 29, o diretor-geral da Interpol, John Newton, virá ao País para discutir os detalhes do evento, batizado de Unidos Contra a Pirataria.

No Brasil, ao contrário de países ricos, o comércio acontece às claras. O professor de inglês José Teixeira, 43 anos, criado no Canadá, lembra da surpresa que um de seus irmãos teve quando veio visitá-lo em São Paulo. “Fomos à rua Santa Ifigênia e ele encontrou por R$ 10 um software de edição de imagens que em Montreal custava US$ 5 mil”, conta. Teixeira também é ávido consumidor de programas piratas de computador. “Camelôs fazem trocas e têm até cartão de visita.” O grupo de rap Quinto Andar também defende os piratas. Na edição de março da revista Outracoisa, vendida a R$ 13,90, lançou o CD Piratão. “A produção do CD custou R$ 6 a unidade. Como um álbum nacional chega a R$ 32? Não compro CD original há cinco anos”, diz o carioca Shawlin, 21 anos, do grupo.

A fabricação e o comércio de produtos falsificados é crime previsto em lei. A pena pode chegar a quatro anos de prisão. No entanto, a aquisição de obra intelectual ou fonograma pirata para uso privado, sem intuito de lucro, não é crime. “O consumidor não é criminoso. O Código Penal protege quem tem o produto para uso pessoal, e não para revender ou usar profissionalmente”, explica a advogada Eliane Abrão, presidente da Comissão Especial de Propriedade Imaterial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela explica, porém, que o consumidor pode ser intimado a pagar uma indenização à empresa lesada. “Mas é ridículo se preocupar com uma bolsa falsa, enquanto as quadrilhas estão soltas e as lojas, abertas”, defende.

Eliane se refere a shoppings de artigos genéricos que, com endereço fixo, atraem multidões. Um desses endereços é o Stand Center, na avenida Paulista, que tem sido alvo de blitze policiais, a mais recente na terça-feira 12, às 18h30. Executivos, bancários e estudantes acotovelam-se na galeria e ninguém explica por que a polícia não a fecha de vez. “A ilegalidade está na nossa cara e nada se faz. A única explicação é a corrupção. Esses produtos indicam a podridão que impera nas aduanas e na polícia”, exalta o deputado federal Luiz Antônio Medeiros, presidente da CPI da Pirataria, concluída em 2004. Este comércio está de mãos dadas com o crime organizado. “A matéria-prima e os equipamentos dos laboratórios são fornecidos por máfias de roubo de carga e de tráfico de armas e drogas”, explica o diretor executivo da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual, Cláudio Alberto Camargo.