Até os 30 anos, a socióloga Maria Helena Guimarães de Castro, secretária de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, não tinha cursado uma faculdade. Casada aos 18 anos, dedicou-se à casa e aos três filhos até o final da década de 1970, quando decidiu prestar vestibular na Unicamp. O pai conservador achava que o ambiente universitário não era lugar para mulher casada, mas valeu o incentivo do avô comunista. Em cinco anos, graduou-se, fez mestrado e foi trabalhar como pesquisadora do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp, onde, mais tarde, passou a lecionar. Em 1993, estreou na carreira política como secretária de Educação de Campinas. De lá saiu para passar oito anos em Brasília, onde se tornou o braço direito do ministro da Educação Paulo Renato, no governo Fernando Henrique. Hoje, ela repete a dobradinha com o governador Geraldo Alckmin. E chegou colocando ordem na casa. “Sistematizamos as informações e criamos um cadastro de 960 mil famílias que vivem abaixo da linha
de pobreza”, diz. Ao falar a ISTOÉ das ações da secretaria, não resistiu ao tema educação. Força do hábito.

ISTOÉ – A reconstrução do Inep, que produz informações essenciais sobre educação, foi sua marca no MEC. Na secretaria, aconteceu algo semelhante?
Maria Helena Guimarães de Castro –
Montar um sistema de gestão e informação foi um desafio. A desigualdade em São Paulo é ainda mais agressiva. A pobreza aqui tem cara, está ligada a famílias jovens, chefiadas por mulheres, com filhos pequenos, e sinaliza um ciclo de miséria que sempre se repete. A jovem engravida cedo, abandona a escola, tem um filho, outro, não recupera a sua escolaridade, isso impacta a escolaridade dos filhos e o grau de desagregação e privação familiar. A pobreza não se resolve só com dinheiro, mas com políticas sociais integradas. Por isso, organizamos as ações distribuídas por várias secretarias.

ISTOÉ – O que trouxe esse sistema de informação?
Maria Helena –
Em 2004, implantamos o Cadastro Pró-Social, com 960 mil famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo. Dessas, 750 mil estão no programa Viva Leite, da Secretaria de Agricultura, 60 mil no Renda Cidadã, do Estado, 450 mil no Bolsa Família, do governo federal. O Renda Cidadã transfere R$ 60 reais por mês para famílias, com filhos de zero a 15 anos. Dessas famílias, 80% são chefiadas por mulheres, com menos de 25 anos. Para ter o benefício, a criança de zero a seis anos tem que estar no Programa Materno-Infantil, feito nos postos de saúde. As de sete a 14 anos têm que frequentar a escola. Temos relatórios bimestrais dessa frequência e uma avaliação anual. Identificamos que dos 60 mil cadastrados no Renda Cidadã, dez mil recebem o Bolsa Família, que varia de R$ 15 a R$ 95. Nestes casos, avaliamos: a família que recebe R$ 60 e R$ 95 talvez possa dar vaga para outra. Pretendemos beneficiar este ano mais 79 mil famílias.

ISTOÉ – E para os jovens que não têm emprego?
Maria Helena –
O pobre de 15 a 24 anos é o mais sujeito à violência. Iniciamos, em 2004, o Ação Jovem, no qual o beneficiado recebe R$ 60 para voltar à escola e completar o ensino médio, pelo menos. Queremos atingir 25 mil com este programa.

ISTOÉ – Por que a capital mais rica do País não tira as crianças da rua?
Maria Helena –
A Prefeitura de São Paulo acaba de lançar um plano que fez com base em parâmetros definidos por nós, mas o Estado ainda tem na capital 28 abrigos de crianças e adolescentes. Temos dez Clubes da Turma na periferia, que oferecem atividades socioeducativas a 15 mil crianças em dois turnos. O último senso mostrou que na capital três mil crianças ficam na rua. A maior parte tem casa, vai para a escola e depois fica na rua, muitas vezes exploradas por adultos. A melhor política é o atendimento integral na escola. Qualquer país sabe que o melhor é evitar a ida para a rua.

ISTOÉ – Por que o Brasil não adota o período integral, como seus vizinhos da América do Sul?
Maria Helena –
Em São Paulo, o sistema educacional estadual é o maior do País. Temos a terceira maior rede do mundo, com 5,4 milhões de alunos, 300 mil professores, seis mil escolas. Temos décadas de descaso. A educação básica é a grande prioridade nacional, mas o tema que ocupa os jornais é o ensino superior. Isso prova que não há consciência cívica e pública neste país.

ISTOÉ – O MEC não pode fazer a jornada ampliada em seus equipamentos?
Maria Helena –
Temos seis milhões na pré-escola, excluindo creche, 36 milhões
de alunos no ensino fundamental, nove milhões e meio no médio. Ensino fundamental mais pré-escola somam 42 milhões. Imagine que só metade
precise de complementação escolar. Ainda assim, não seria fácil. As escolas funcionam em três turnos. Em São Paulo, há muitas com quatro. Seria preciso o dobro de escolas. É melhor pegar equipamentos como o CEU (escolas com teatro, quadras, etc., criadas pela gestão petista) e usá-los como centro de atividades para os alunos do entorno.

ISTOÉ – Qual a proposta para a população que recorre aos albergues à noite, mas não tem para onde ir de dia?
Maria Helena –

Das 645 prefeituras do Estado, 320 têm programas para moradores de rua em convênio conosco. Na capital, o abrigo Arsenal da Esperança recebe 1.150 moradores de rua por dia, com educação de jovens e adultos, programa de inclusão digital e plano de capacitação. Destes, 282 mostraram um grau de integração surpreendente. Vamos abrir mais 200 vagas, mas é uma ação complexa com pessoas de situação existencial difícil.