Como diria o cantor Belchior, um rapaz latino-americano, sem parentes importantes e vindo do interior, dificilmente vai muito longe. É o que acha também o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo. Na opinião dele, a eleição para papa de dom Cláudio Hummes ou de qualquer outro latino-americano é quase impossível. Segundo dom Paulo, as chances são sempre “reduzidas” porque o continente ainda “é marginal para o mundo”. Ele acha que o eleito será um europeu, que vai dar atenção para a África, a Ásia e o seu próprio continente. O cardeal, que tem 84 anos e sofreu um infarto há cerca de 20 dias, está em recuperação em sua residência no Jaçanã, na zona norte de São Paulo, e falou a ISTOÉ na quarta-feira 6.

ISTOÉ – Quais as chances de dom Cláudio Hummes tornar-se papa?
Dom Paulo Evaristo Arns –
Um latino-americano terá sempre pouca chance, enquanto a América Latina for considerada marginal para o mundo. As grandes decisões são sempre tomadas pelos seis ou sete grandes (países), que só depois vão olhar para a África e a América Latina. A possibilidade é muito pequena.

ISTOÉ – Qual perfil os cardeais vão buscar, na sua opinião?
Dom Paulo –
A tendência é cuidar da Europa, da Ásia e da África. Mas com o centro na Europa. Creio que será um europeu bem enfronhado nos problemas
da humanidade.

ISTOÉ – Para o sr., haverá uma continuidade?
Dom Paulo –
Vai ter mudanças. Cada papa sempre surpreende com as novidades que introduz. Cada um tem um jeito diferente. Esse papa fortaleceu muito a Cúria Romana. Outro pode dar mais liberdade ao episcopado. Mas a gente não pode se intrometer nisso.

ISTOÉ – Há comentários de que o sr. defendeu o nome de um africano nos dois conclaves em que participou, de João Paulo I e João Paulo II…
Dom Paulo –
Nunca fiz campanha para ninguém. Eu ouvia os grupos de cardeais inglês, francês e alemão para saber quem eles imaginavam ser o melhor e aí passava as informações para os meus amigos.

ISTOÉ – Dom Aloísio Lorscheider foi indicado e teve o voto de João Paulo I, no conclave que o elegeu papa. Dom Aloísio teve muitos votos? O sr. o apoiou?
Dom Paulo –
Eu esqueci completamente em quem votei. Não posso dizer. Mas dom Aloísio estava muito doente naquela época. Tinha tido um infarto e o médico do papa pediu, antes de embarcarmos para Roma, para eu ficar ao lado dele. No período dos dois conclaves de 1978, que foram bem próximos, ficamos em quartos lado a lado. À noite, amarramos um cordão na mão um do outro, passando por baixo da porta do quarto, pois se ele tivesse algum problema eu acordaria imediatamente.

ISTOÉ – Esse conclave será muito diferente dos outros?
Dom Paulo –
Tem uma mudança importante. Agora, na Casa Santa Marta (onde os eleitores do papa ficarão hospedados), construíram um alojamento digno de cardeais. No período dos conclaves de 1978, era um quarto horrível, sobretudo à noite, quando tínhamos dificuldades para as necessidades básicas. Agora, cada um tem o seu quarto com banheiro. Outra mudança é que cada cardeal vai ser chamado pelo nome e ganhar um bilhete, no qual escreve o nome de seu candidato e assina. Se votar em si mesmo, o voto é anulado.

Ceticismo: “Um latino-americano terá sempre pouca chance, enquanto a América Latina for considerada marginal para o mundo. As grandes decisões são sempre tomadas pelos seis ou sete grandes (países), que só depois vão olhar para a África e a América Latina”