13/04/2005 - 10:00
Os funerais do papa João Paulo II, realizados no Vaticano na sexta-feira 8, superaram o enlace imaginado por Giovanni Lorenzo Bernini, o genial artista barroco, no qual as colunatas curvas que saem da Basílica de São Pedro abraçam simbolicamente, como braços maternos, os peregrinos da grande praça de mesmo nome. Protegidos por um esquema de segurança nunca visto na Europa – dez mil policiais e soldados, 950 atiradores de elite, helicópteros, caças, pára-quedistas, mergulhadores e esquadrões antiterror –, encontraram-se no maior e mais glamouroso funeral de um chefe de Estado praticamente todos os representantes do poder mundial. Assim, o último adeus a João Paulo II evocou o esplendor do Império Romano, trazendo novamente a Cidade Eterna ao centro do mundo, ao menos por algumas horas. Representantes de 200 países, sendo quatro reis, cinco rainhas, 70 presidentes – entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – e primeiros-ministros, e 14 líderes de outras religiões foram à Basílica de São Pedro render suas últimas homenagens ao pontífice mais midiático da história.
Mas os funerais do papa não se resumiram à evocação pagã do poder temporal de Roma, fazendo também jus ao espírito do cristianismo: morto, João Paulo II conseguiu o milagre de reunir inimigos jurados, como o presidente George W. Bush – o primeiro mandatário americano a participar das exéquias de um pontífice, acompanhado de seus antecessores, Bill Clinton e George Bush pai –; o aiatolá Mohammed Khatami, presidente do Irã, apontado por Bush como uma das pontas do “eixo do mal”; Bashar al-Assad, o presidente-ditador da Síria; Moshe Katsav, presidente de Israel; e Ahmed Qorei, primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina. Num gesto impensável em outros tempos para um herdeiro do trono britânico, o anglicano príncipe Charles adiou o casamento com sua bem-amada Camila para se fazer presente ao enterro do papa. Até o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Alexei II, que nunca quis se encontrar com João Paulo II em vida, estava lá, todo compungido.
Multidão – Mas, acima de tudo, uma multidão de fiéis calculada em cerca de um milhão de pessoas, vindas de todos os cantos da Terra, invadiu as ruas de Roma para dar seu último adeus ao papa peregrino. Nas colunas de Bernini da praça de São Pedro, 300 mil pessoas se aglomeraram para assistir à missa por João Paulo II, enquanto outras 700 mil se espalhavam em vários pontos de Roma, onde foram instalados telões. Nos dias anteriores ao enterro, outro milhão de peregrinos esperou até 24 horas numa fila interminável para ver o corpo do papa. Um espetáculo inusitado, típico da sociedade de massas que Karol Wojtyla tanto condenou.
Apesar dos temores de tumultos ou atentados terroristas, a cerimônia foi impecável. Num caixão de cipreste marcado com uma cruz e o M da Virgem Maria e carregado por 12 funcionários do Vaticano, o corpo de João Paulo II foi levado da Basílica para a praça de São Pedro, onde o cardeal alemão Joseph Ratzinger, decano do Colégio Cardinalício e presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, celebrou a missa em memória do pontífice morto, oficiando em latim a cerimônia, que teve início um pouco antes das 10h30 locais (5h30 de Brasília). “O papa nos vê e abençoa”, disse Ratzinger ao concluir a homilia. “Agora, ele está diante da janela do Senhor”, disse o decano. A homilia do cardeal foi interrompida cerca de dez vezes por aplausos entusiasmados da multidão. Enquanto a missa era celebrada, milhares de pessoas pediam a canonização imediata de João Paulo II aos brados de santo subito! (santo já!). Terminada a missa às 12h30 locais (7h30 em Brasília), o caixão foi levado para a Basílica de São Pedro, onde João Paulo II foi sepultado na cripta em que estava enterrado o papa João XXIII até 1997, antes de ser beatificado.
Testamento – Mesmo morto, João Paulo II ainda surpreende. Enquanto se preparavam para o conclave que elegerá o novo pontífice a partir do dia 18, os cardeais divulgaram o testamento do finado pontífice. O documento sugere que o papa pensou em renunciar no ano 2000, no jubileu do cristianismo. “É preciso que eu me pergunte se não é hora de seguir o exemplo de Simeão, na Bíblia, e nunc dimittis.” A palavra dimittis significa renunciar, ir para outro lugar, demitir, partir.
Outra surpresa revelada pelo testamento foi a intenção inicial de Wojtyla de ser enterrado em sua terra natal, a Polônia. Esse desejo seria depois sepultado, o que revela que o papa tinha consciência de que seu papel histórico, afinal de contas, transcendia em muito o do cardeal Karol Wojtyla, de Cracóvia. Suas exéquias foram uma prova disso.