03/03/2016 - 14:00
Em 2009, quando dois jovens produtores de cinema entraram na sala do jornalista Martin Baron, 61 anos, então editor-chefe do Boston Globe, com a ideia de levar às telas uma série de reportagens que o jornal americano havia feito sobre abusos sexuais de padres da Igreja Católica contra crianças, Baron os recebeu com ceticismo.
Futuro: Baron diz que a internet representa um imenso desafio para a imprensa

“O Papa Francisco pode ser um reformador, mas temos que esperar
para ver o quanto ele está disposto a fazer mudanças”
“Jeff Bezos (dono da Amazon e do Washington Post) nunca sugeriu uma matéria
para nós, nunca comentou o que escrevemos”
Como foi ver “Spotlight” vencer o Oscar?
Foi um prazer. Ficamos todos surpresos, não sabíamos o que podia acontecer, mas foi incrivelmente gratificante. Espero que, com o prêmio, o filme tenha um impacto duradouro.
Qual foi o seu papel na produção do filme?
Não sou um produtor de cinema, então meu papel foi basicamente dar entrevistas. Quando o estúdio adquiriu os direitos de nossa história, concordamos em participar de todas as entrevistas e ajudá-los a reconstruir o que aconteceu no Boston Globe naquela época. Gastamos horas e horas com o diretor, Tom McCarthy, e o co-roteirista, John Singer. Além disso, quando eles finalizaram o roteiro, dividiram o material comigo e meu antigo colega do Globe. Nós o revisamos, demos mais ideias e eles acataram algumas. Então, pudemos ver uma versão não-finalizada do filme e também palpitamos.
Qual foi sua reação quando assistiu ao filme pela primeira vez?
É muito esquisito ver outra pessoa tentando captar seus maneirismos, seu jeito de falar, seu comportamento. A impressão do mundo sobre você será moldada mais pelo que aparece naquela tela por duas horas do que por provavelmente tudo que você fizer ao longo da vida.
Que tipo de retorno o sr. teve depois da série de reportagens?
O sr. acha que o Papa Francisco pode ser um reformador?
Ele pode ser um reformador e deveria ter um papel maior na questão dos padres pedófilos. Temos que esperar para ver o quanto estará disposto a fazer nesse ponto. Ainda há perguntas sobre quão enérgica a Igreja vai ser. Uma coisa é lidar com padres que abusam, mas temos que perguntar: e os bispos que sabiam de tudo e mantiveram os abusadores em atividade? Essa é uma pergunta aberta há 14 anos. Até agora, pouco foi feito.
O que está pendente?
Não temos visto coragem dos bispos nesse tema. O que vimos foi negação, rebeldia, obstrução.
Os casos de abuso são agora submetidos à aplicação da lei. Ao longo das décadas, a Igreja se referiu aos abusos não como uma questão criminal. Diziam que a lei não tinha jurisdição sobre a Igreja, que era uma questão de leis internas. Mas estuprar uma criança é crime nos EUA.
Esse é um dos maiores desafios de nossa profissão. Como em outros veículos, no Washington Post temos um “pay wall” (sistema digital de assinatura) em nosso site. As pessoas podem ler cinco matérias por mês gratuitamente, porque queremos criar leitores que gostem de acessar nosso site. São essas pessoas que apóiam nossa missão e sabem que, ao pagar, elas contribuem para fazermos nosso jornalismo. Ainda é um percentual pequeno dos nossos usuários, mas acho que poderemos construir uma base substancial de assinantes online.
Desde que Jeff Bezos, presidente da Amazon, comprou o Washington Post, a empresa investiu mais no digital. Teve algum resultado?
Bezos cobra resultados?
De uma maneira diferente de outros líderes da indústria da mídia. Ele investiu substancialmente no Washington Post, grande parte em projetos de experimentação, e acho que tivemos sucesso com eles. Foi isso que impulsionou o crescimento que tivemos em nosso site e em outras plataformas digitais. Ele traz não só capital financeiro, mas também capital intelectual.
Qual é o nível de interferência de Bezos no que o Post publica?
O sr. se encontra regularmente com Bezos?
Nos falamos por telefone a cada duas semanas e nos encontramos em Seattle de seis em seis meses. Periodicamente ele vem a Washington.
Acredito no papel da imprensa numa sociedade democrática. Somos essenciais a uma democracia que funciona bem. Devemos ser independentes. Ao mesmo tempo, estou muito animado com as transformações pelas quais nossa indústria passa. Reconheço que elas sejam um desafio financeiro mas estamos atingindo leitores que não seríamos capazes de atingir antes.