O enredo parece saído de filme policial: em uma cidade tomada pelo caos, o mafioso de um só olho Massimo Carminati, 57 anos, conhecido como “Alma Negra”, é preso por comandar um esquema de corrupção e exploração de imigrantes estrangeiros. Ex-membro de um grupo terrorista responsável pela morte de dezenas de pessoas, foi considerado perigoso demais para comparecer pessoalmente ao tribunal. Essa é a história verdadeira do que está sendo considerado o julgamento mais importante da história do crime organizado em Roma. As audiências começaram na quinta-feira 5 e levarão à corte, além de Carminati, 45 de seus capangas e colaboradores. “Ele está ligado a empresários, políticos, lobistas, membros do serviço secreto e bandidos”, diz Antonio de Bonis, criminalista dos Carabinieri, a polícia da Itália. “Agia como catalisador de uma máquina que unia diferentes interesses.”

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Apelidado também de “O Pirata”, “O Imortal” e “O Último Rei de Roma”, Carminati é apontado como o homem à frente da operação que atuava por trás das cortinas de uma das cidades mais conhecidas do globo. “Você tem ideia do quanto eu faço com esses imigrantes? Tráfico de drogas é menos rentável”, afirmou Salvatore Buzzi, seu braço direito, em escuta telefônica feita pela justiça italiana. O “capo” via a si mesmo como dirigente de uma estrutura que dava aos poderosos acesso às vantagens que só o submundo pode proporcionar. Por isso, seu sistema foi chamado entre os investigadores como “Terra Média”, o ponto de contato entre a esfera lícita e a ilícita.

O caso veio à tona no ano passado, quando foi revelado um esquema de corrupção nos contratos de coleta de lixo da capital do país envolvendo a facção. Os serviços foram paralisados desde então, e Roma foi invadida pelo lixo e pelos ratos, entrando num estado de decadência visível aos olhos de moradores e visitantes. Os políticos flagrados com a mão na massa cobrem todo o espectro ideológico, de Luca Gramazio (ex-líder da sigla de centro-direita Força Itália, de Sílvio Berlusconi, no conselho regional) a Mirko Coratti (ex-líder da legenda de centro-esquerda Partido Democrático, do atual primeiro-ministro, no conselho municipal). O ex-prefeito da cidade, Gianni Alemanno, é outro entre as autoridades que estão sob investigação, mas não foi incluído no julgamento.

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CAOS
Massimo Carminati foi ligado a grupo terrorista que matou 85 pessoas em estação
de Bolonha (acima). Seu bando fraudou licitações para serviços públicos,
paralisando as coletas e entregando a cidade ao lixo (abaixo)

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Se hoje Carminati comanda uma espécie de máfia moderna, que não abandonou a violência mas faz mais dinheiro fraudando licitações, desviando verbas de ajuda humanitária e patrocinando pequenos meliantes, seu batismo de sangue se deu em círculos criminosos tradicionais e em movimentos políticos radicais. Comprou sua primeira arma aos 14 anos e não muito tempo depois se associou à Gangue Magliana, que atuou na Itália entre as décadas de 1970 e 1990, os chamados “anos de chumbo”. Foi membro ainda do Núcleo Armado Revolucionário, grupo terrorista de extrema-direita que em 1980 matou 85 pessoas num atentado à bomba à estação ferroviária de Bolonha, no norte da Itália. Um ano depois, perdeu o olho esquerdo num tiroteio com a polícia. Apesar de sentenciado à prisão no passado por infrações mais leves, foi inocentado de acusações como homicídio e terrorismo e estava livre até as recentes revelações.

Na operação em que Carminati foi encarcerado, no ano passado, policiais encontraram nas paredes de sua casa obras de arte dos americanos Jackson Pollock e Andy Warhol. É esse lado mais refinado do “Alma Negra” que a defesa quer explorar frente aos magistrados. O réu assume ter participado de esquema de colarinho branco para desviar de dinheiro público, mas nega ser chefe de organização com características mafiosas, o que, em caso de condenação, lhe imputaria pena muito maior. O julgamento, que está em fase de audiências, deve durar até o meio de 2016, mas pode se estender por anos com apelações. Até lá, o advogado Giosue Naso terá muitas chances de repetir o discurso com que pretende livrar seu cliente. Para ele, Carminati nunca precisou ser um gângster para se aliar aos tubarões da política porque a Itália, afinal, é uma “sociedade moralmente podre”.

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Fotos: ANDREAS SOLARO/AFP PHOTO