TRAMA Ernestina com os filhos (acima), as Avós da Praça de Maio e a presidente argentina (abaixo)

Uma antiga reivindicação de grupos de direitos humanos da Argentina está prestes a ser atendida. A presidente Cristina Kirschner acaba de despachar para o Congresso um projeto de lei que obriga o fornecimento de amostras de DNA sempre que houver suspeita de que uma pessoa seja uma das crianças tiradas à força de presos políticos que desapareceram durante o regime militar (1976-1983). Entre as entidades que apoiam a proposta de Cristina está o grupo Avós da Praça de Maio, criado há mais de três décadas justamente para localizar seus netos desaparecidos. Até agora, elas identificaram pelo menos 87 crianças nessas condições. Uma delas, María Eugenia Sampallo, 31 anos, entrou na Justiça contra seus pais adotivos, que acabaram condenados em 2008 por falsificação de documentos na adoção ilegal e por esconder sua origem. Falta, porém, encontrar outras 400 pessoas que, quando crianças foram separadas dos pais e entregues a outras famílias pelos militares.

A despeito de o projeto de lei resgatar uma dívida do passado, por trás da iniciativa de Cristina está o interesse em atingir sua arquiinimiga Ernestina Herrera de Noble, dona do grupo de comunicação Clarín, o mais poderoso da Argentina. Ernestina tem dois filhos – Marcela e Felipe -, ambos adotados em 1976, logo depois do golpe militar. As Avós da Praça de Maio, por sua vez, desde 1995 denunciam a empresária por ter adotado ilegalmente filhos de desaparecidos políticos. Ela sempre negou a acusação. Garante que Marcela foi encontrada em uma caixa diante da porta de sua casa e que Felipe foi dado a ela por uma mulher desconhecida. Duas famílias, no entanto, acreditam que Marcela e Felipe sejam seus descendentes.

No ano passado, a Corte Suprema de Justiça ordenou que as análises de DNA dos filhos adotivos de Ernestina sejam cruzadas com amostras dessas famílias, os Gualdero-García e os Miranda- Lanoscou. Elas, no entanto, defendem que o DNA de Marcela e de Felipe sejam comparados com amostras de todas as famílias que tenham crianças desaparecidas durante a ditadura. Agora, em aparente aliança com as entidades de direitos humanos, Cristina decidiu transformar a reivindicação em lei, num momento de arrefecimento de sua disputa com o grupo Clarín. "O projeto é fascismo puro, estão violando os direitos humanos e usando a lei como um instrumento de vingança pessoal", disse a deputada federal Elisa Carrió, líder da oposição.

Não é de hoje que as duas poderosas argentinas se enfrentam. Em setembro, dezenas de fiscais federais invadiram as sedes dos jornais "Clarín", "Olé" e "La Razón" – todos de propriedade de Ernestina -, de onde recolheram documentos e livros contábeis para uma investigação trabalhista e fiscal. Na sequência, o Senado aprovou a chamada Lei de Mídia, que soou como uma afronta ao grupo Clarín, por reduzir a liberdade de atuação da empresa em canais de tevê e em estações de rádio, fortalecendo a presença do Estado nesses meios. Se o projeto de Cristina for aprovado, a nova lei pode nocautear Ernestina dentro de casa.