O ministro da Fazenda, Guido Mantega, realizou um fato raro na semana passada. Ao anunciar que o Brasil passaria a taxar a entrada de capital estrangeiro destinado a investimentos na bolsa e em papéis de renda fixa, conseguiu fazer com que o mercado financeiro, o Banco Central, economistas das mais variadas vertentes, empresários e mesmo o enfraquecido FMI fossem unânimes em suas opiniões. Tradicionais em divergir sobre tudo e todos, esses atores econômicos concordam que a retrógrada decisão brasileira de ressuscitar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi um erro estratégico que trará prejuízos ao País e não conseguirá conter a valorização contínua do real ante a moeda americana.

Oficialmente essa é a intenção do governo com o pedágio: barrar a queda do dólar. Mas não é a única. Desde que a bolsa brasileira voltou a ser a preferida dos investidores internacionais – que já despejaram mais de R$ 30 bilhões por aqui só este ano -, o governo vem se preocupando com o surgimento de uma bolha na Bovespa. Sob esse ponto de vista, a decisão da Fazenda foi bem-vista. Para o "Financial Times", o jornal econômico mais influente do mundo, o Brasil acertou ao fazer a taxação para tentar, ao menos, evitar a bolha. "Não está claro se esta foi a melhor opção, há que se esperar, mas que algo tinha que ser feito, isso estava claro", afirmou o professor de economia da USP, Antônio Carlos Lacerda.

Assim que o País começou a mostrar sinais de que se recuperaria rapidamente da crise financeira que abalou o mundo no final do ano passado, a moeda americana não para de cair. Desde o início do ano, quando o dólar chegou a ser cotado a quase R$ 2,40, o real já se valorizou 35%, um recorde entre as 16 moedas mais comercializadas no mundo. O resultado disso para os brasileiros são viagens internacionais mais baratas, um volume de produtos importados maior, inflação mais baixa e taxas de financiamento mais atrativas para as empresas que captam seus recursos no Exterior, além de uma redução da dívida pública.

Isso tudo em um primeiro momento e no curto prazo. Se a situação se prolonga, a desvalorização do dólar traz prejuízos ao País. O primeiro deles é o fato de os produtos fabricados aqui ficarem mais caros para os compradores externos. Com isso, as exportações caem. A moeda mais forte faz também com que os produtos importados fiquem mais baratos e entrem no País com preços competitivos ante o que é fabricado no Brasil. A consequência de um dólar baixo, como afirmou Mantega ao anunciar a taxação, é que os brasileiros podem acabar pagando a elevação do consumo com o desemprego.

 

Na teoria, a análise de Mantega está certa. O problema está na prática. "Não é o dólar a R$ 1,70 ou a R$ 1,60 que fará os produtos brasileiros serem menos competitivos", diz o economista Nathan Blanche, especialista em câmbio da consultoria Tendências. "O que nos faz menos competitivos é a carga tributária escorchante, uma infraestrutura precária, enfim, o tradicional custo Brasil." Até os exportadores, que sempre reclamam que o governo nada faz para controlar o dólar, concordam com essa tese. "Dólar é só a azeitoninha no Martíni", diz Benecdito Moreira, presidente da Associação Brasileira das Empresas Exportadoras. "Antes de mexer no câmbio, o governo devia mexer no sistema interno, modernizar os portos e atacar essa carga tributária nefasta", diz Moreira.

Mesmo que o câmbio tivesse chegado a níveis insustentáveis, dizem os economistas, as medidas anunciadas pelo governo não trariam o efeito necessário. A explicação é de que o Brasil entrou em um novo patamar sob o ponto de vista dos investidores internacionais. Além de ter atingido o grau de investimento, o País mostrou que tem fundamentos econômicos sólidos ao conseguir sair da crise rapidamente.

As empresas brasileiras, por sua vez, estão crescendo de forma sustentável e ainda estão baratas sob o ponto de vista do investidor externo. "É muito difícil controlar a entrada de dólares no Brasil neste momento. A dívida vai aumentar, os juros vão subir e o dólar vai continuar entrando. O real não vai se desvalorizar", disse o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas.

Mantega sabe de tudo isso. Tanto que quando anunciou o retorno do IOF deixou claro que não esperava uma valorização do real. "Vamos, ao menos, tentar conter a queda do dólar", afirmou. O que o ministro da Fazenda não tem dito em público com a mesma eloquência é que a medida também tem como um dos seus principais objetivos frear o capital especulativo que chega ao Brasil para surfar na onda de otimismo que tomou conta da bolsa de valores. "Mais do que segurar o dólar, a taxa serve para evitar que se crie uma bolha", tem repetido o ministro a seus assessores próximos.

Antes de tomar a decisão de reviver o IOF, Mantega aconselhou-se com dois de seus principais interlocutores, o economista e presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, e o ex-ministro da Fazenda Delfim Neto. Beluzzo defendeu um percentual ainda maior que os 2%; Delfim apoiou a medida, mas foi contra uma taxa maior.

No dia seguinte à decisão de taxar os recursos externos, a medida deu resultado. Na terçafeira 20, o dólar subiu quase 2% e a bolsa despencou 2,8%. Mas durou pouco. Já no dia seguinte a moeda americana voltou a cair e o Ibovespa subiu. Ao longo da semana, a bolsa continuou com seu viés de alta e, o dólar se manteve relativamente estável. Ao que parece, a taxação imposta pelo governo não deve mudar muito o rumo da moeda americana por aqui e, como efeito prático, irá apenas ampliar a arrecadação em uns R$ 4 bilhões e, também, o custo de financiamento da dívida pública. Isso até era esperado. A grande dúvida é se o novo IOF será capaz de evitar uma bolha no mercado de capitais. Pelos números da semana passada, tudo indica que não.