Depois dos atentados de 11 de setembro, os nova-iorquinos passaram a usar as palavras “acidente” e “coincidência” com muita parcimônia e desconfiança. Por isso, quando às 9h18 da segunda-feira 12 o Airbus A300-600 da American Airlines despencou como uma bomba sobre o bairro residencial de Belle Harbor, na península Rockaway Beach, no Queens, as primeiras descrições do impacto só falavam em “ataque terrorista”. Afinal, o líder radical islâmico Osama Bin Laden já havia anunciado para breve uma chuva de aviões em território americano. Mas antes que se pudesse acrescentar o apelido de “profeta armado” ao saudita fundamentalista, as autoridades da Agência Federal de Aviação dos EUA (FAA) voltaram a lembrar que as fatalidades também ocorrem sem a ajuda de maquinações criminosas. O vôo 586 saiu com atraso do vizinho aeroporto JFK, com destino a São Domingos, na República Dominicana. A viagem durou somente quatro minutos, com o aparelho literalmente caindo aos pedaços. Formaram-se então as peças de um quebra-cabeça que os investigadores começam a resolver. Por enquanto, o mosaico leva à conclusão de razões acidentais para a tragédia. Sabe-se que o estabilizador da cauda do aparelho desgrudou do corpo, provocando a queda em parafuso e a consequente perda das turbinas. Apesar desta primeira versão, ainda não está descartada a possibilidade de sabotagem como causa. De qualquer modo, o saldo são as mortes de 260 pessoas a bordo, muitas delas encontradas pelas equipes de salvamento ainda afiveladas em suas poltronas. No solo, os detritos fizeram mais seis vítimas, apenas quatro delas identificadas, atingidas dentro de suas casas.

Cicatrizes – Aumentam as cicatrizes nesta metrópole traumatizada. Doze residências de Belle Harbor foram incendiadas, e a destruição só não foi maior porque na região moram muitos bombeiros, que entraram em ação imediatamente. A comunidade, naquela Península de Rockaway, foi uma das mais atingidas pelas mortes no World Trade Center: 70 bombeiros locais morreram no cumprimento do dever no dia 11 de setembro. O sargento Robert Alfano foi um dos que saíram ainda à paisana para combater as chamas. Usou o esguicho e água de seu jardim para apagar o fogo da casa vizinha: um pedaço enorme do Airbus havia caído na sala de estar. “Não é justo que nós tenhamos de aguentar tanto sofrimento”, desabafou Alfano a ISTOÉ. “Eu caminhava na marina quando vi um enorme objeto caindo. Eram os últimos 100 metros da queda da turbina. Achei que estávamos sendo bombardeados”, diz Ronald Finney, morador local. Era a turbina da asa direita, que ainda permanece como uma das primeiras suspeitas pelo desastre. A peça caiu na rua de frente a um posto de gasolina e foi deslizando rumo às mangueiras de combustível. Parou a poucos metros daquele que poderia ter sido o estopim de um inferno ainda maior. O dono do posto, Carl Howard, pegou o extintor e salvou sua propriedade, a vizinhança e a própria vida. “Quando vi aquela coisa enorme vindo pra cima das bombas, pensei que era meu fim”, disse Howard a ISTOÉ.

Hipóteses – A turbina direita é peça fabricada por uma subsidiária da empresa General Eletric. A FAA vinha notando, nos últimos cinco anos, o esfacelamento de partes desse tipo de turbina. Há menos de seis meses o órgão recomendou que inspeções regulares fossem feitas nesses equipamentos e determinou que o problema fosse corrigido pelo fabricante. ISTOÉ obteve informações de que o piloto de um Jumbo que esperava na fila para decolagem imediatamente atrás do Airbus acidentado afirma ter visto uma fumaça estranha saindo da turbina no momento que o aparelho levantou vôo. “O comandante R. Filmore disse que observou fumaça na turbina direita na hora da decolagem”, conta um investigador.

Mas o grande suspeito pela causa da tragédia foi, na verdade, encontrado pelo prefeito Rudy Giuliani. Ele sobrevoava a baía de Jamaica, em Rockaway, em seu helicóptero, rumando para o epicentro do drama, quando notou flutuando nas águas um pedaço do avião. Era o estabilizador traseiro. Concluiu-se que aquela foi a primeira peça a se desprender do aparelho. Os arquivos da American dão conta de que aquele mesmo estabilizador já havia demonstrado fragilidade em vôos anteriores, mas pensava-se que o problema havia sido corrigido. “O aparelho estava há dois minutos no ar quando a peça se desprendeu. Antes disso, já na decolagem, o piloto disse que ouvira um barulho estranho e sentira uma vibração fora do normal. Ele comentou que parecia estar entrando na área de turbulência criada por outro avião. De fato, um vôo da Japan Airlines passara por aquela rota dois minutos antes. Estamos verificando se esta turbulência criada pelas turbinas do avião da JA não contribuiu para fazer soltar o estabilizador”, diz Marion Blakey. “Ainda não descartamos a possibilidade de uma sabotagem, mas acho bastante improvável”, diz ela.