Numa situação de emergência, a demora em descobrir o tipo sanguíneo da vítima pode ser fatal. Se alguém sofre um acidente de carro nos Estados Unidos, só começa a ser atendido no hospital uma hora depois, em média. No Brasil, esse tempo é tão mais elástico que não é sequer calculado. Justamente aqui, onde as condições de vida são mais precárias, está em desenvolvimento um projeto de produção de sangue artificial que independe do tipo sanguíneo do doente. Embora não tenha as mesmas propriedades do sangue que corre em nossas veias, esse líquido poderá prolongar a sobrevida de pacientes acidentados ao estimular a oxigenação do cérebro e do coração, órgãos que mantêm as funções vitais do corpo, até que a vítima receba atendimento adequado.

Além de suprir os baixos estoques dos bancos de sangue, o produto evita os riscos de contrair doenças como a hepatite e a aids. O sangue artificial começou a ser desenvolvido em 1998 no Laboratório de Pesquisa em Microcirculação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), junto com o Instituto de Macromoléculas da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e o Laboratório de Caracterização de Fluidos da PUC-Rio.

A médica e pesquisadora mineira Eliete Bouskela, 50 anos, coordenadora do projeto, prevê que em seis meses serão iniciados os testes em humanos. Mas serão necessários dois anos para que ele esteja disponível no mercado. A idéia de desenvolver o que ela chama de “expansor plasmático com capacidade carreadora de oxigênio” foi da própria Eliete. O plasma é a parte líquida do sangue, que carrega proteínas e sais minerais.

Uma das vantagens da solução obtida em laboratório é a capacidade de aproveitar sangue com prazo de validade vencido ou mesmo contaminado. Mais importante de tudo, o sangue artificial dispensa classificação. É uma espécie de curinga válido para qualquer organismo, e com maior durabilidade que o sangue natural. “Imaginamos que esse produto vai melhorar muito a chegada de pacientes acidentados aos hospitais”, comemora a pesquisadora.

A intenção dos cientistas brasileiros é produzir um o sangue artificial a partir da extração de hemoglobina das células sanguíneas, cuja principal função é o transporte de oxigênio no corpo. Nesse processo, o líquido é protegido por uma espécie de capa produzida com polietileno glicol. A multinacional americana Baxter produziu no ano passado substância semelhante, porém sem a capa. Nos testes, o produto desta empresa intoxicou os rins de cobaias humanas. “Acreditamos que a capa de polietileno eliminará essa toxicidade”, avalia Eliete.

O projeto recebeu uma verba de R$ 229 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), valor insuficiente para a construção de uma sala livre de contaminação. Sem dinheiro, o trabalho empacou. Foi retomado há quatro meses, quando a empresa paulista Europharma colocou seu laboratório estéril à disposição dos 12 acadêmicos que trabalham no projeto.