Desde que chegou ao poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou muito da burocracia que emperra as grandes obras que poderiam colocar o Brasil no rumo do crescimento econômico. Em especial, Lula cutucou a área de meio ambiente, que impôs restrições a projetos de energia. Agora, o presidente passou a reclamar do Tribunal de Contas da União, o TCU. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, também ficou furiosa. O motivo? O TCU embargou recentemente 29 obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, todas com irregularidades graves. O PAC é o principal projeto do governo para tentar colocar o País nos trilhos. Apesar das reclamações de Lula e de Dilma, o embargo das obras é uma boa notícia, pelo menos para o bolso do cidadão. Ao todo, o TCU identificou 77 obras com irregularidades, no valor de R$ 5 bilhões. Toda essa dinheirama poderia engordar o caixa 2 de políticos que fazem pontes com grandes empreiteiras para desviar dinheiro público. A decisão de barrar as obras é produto de uma nova sistemática do TCU: em vez de esperar a obra ser feita e fiscalizá-la, o Tribunal agora avalia os contratos e as projeções de gastos, barrando, assim, de saída, superfaturamentos antes que o dinheiro público se perca pelo ralo. “A política do tribunal é a política de resultados, em proteção do interesse público”, diz o presidente do TCU, ministro Walton Alencar Rodrigues.

Além do embargo das obras em larga escala, o TCU tomou a iniciativa de classificar as irregularidades por construtoras e por órgãos públicos que repassam as verbas. O maior responsável pelas fraudes com o dinheiro público é o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, o DNIT. O nome do ex-diretor do órgão, Mauro Barbosa da Silva, aparece em 60 acórdãos de irregularidades sobre obras. Em seguida, estão na fila das obras irregulares o Ministério da Integração Nacional e o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca. Na lista de construtoras com maior número de contratos com indícios de irregularidades graves estão a Geosolo, a Gautama e a OAS. Houve irregularidade em 83% dos contratos da Geosolo. A Gautama, envolvida na Operação Navalha da Polícia Federal, vem logo atrás: 80% de contratos com problemas.

Desde que foi criado, em 1890, por iniciativa do então ministro da Fazenda Rui Barbosa, o TCU levava ao pé da letra a sua função de “tribunal de contas”. Ou seja: investigava contas já pagas. Por várias décadas, seguindo esse critério, o TCU foi sinônimo de ineficiência. Mas foi a partir de 1997 que as coisas começaram a mudar profundamente na história do Tribunal. Foi naquele ano que a Lei de Diretrizes Orçamentárias determinou que, a partir de 1998, o Tribunal acompanhasse obras em andamento. Começava ali um trabalho preventivo que passa a ser sentido de forma mais determinante agora. Somente este ano, o trabalho de fiscalização do TCU resultou em 26 medidas cautelares, proibindo a continuação de obras em andamento, com uma economia de R$ 852 milhões para o país. Até o fim do ano, essa quantia deve ultrapassar R$ 1 bilhão.

É essa sistemática que atingiu as 29 obras do PAC. O TCU já breca a obra antes que ela saia do papel. Assim que o orçamento é aprovado, os 1.200 analistas de controle externo se debruçam sobre os sistemas de informação do governo e começam a fiscalizar as obras com orçamento a partir de R$ 20 milhões. Esse processo de troca da fiscalização de contas de obras já acabadas por um acompanhamento de projetos que estão no papel rende brincadeiras até entre as autoridades do tribunal. “O que muita gente aqui no TCU diz é que o tribunal antes fazia autópsia”, brinca o secretário de Fiscalização, André Mendes. “E hoje, cada vez mais, faz biópsia.”

O TCU também troca sistematicamente informações com outros órgãos da União. Quando os técnicos do tribunal detectam possibilidade de existência de crime organizado tentando extorquir dinheiro público, eles avisam a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, que passam a agir imediatamente. Isso tem provocado a instauração de inquéritos para investigar várias obras. “A gente fiscaliza a obra antes de iniciar, durante a execução e depois da execução”, diz o ministro Walton. “Essa é a razão por que a gente tem concedido cada vez mais cautelares para barrar as irregularidades no nascedouro.”