27/10/2000 - 10:00
Até recentemente, só estavam isentos da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) os saques do FGTS, o seguro-desemprego e o Pis-Pasep. No dia 17, o governo concedeu igual benefício para investidores estrangeiros em bolsa. Abriu mão de uma arrecadação estimada em R$ 80 milhões anuais. No dia seguinte, anunciou a possibilidade de o privilégio ser estendido aos investidores nacionais.
Fica isento quem tem dinheiro sobrando para investir, mas continua pagando CPMF quem depende de salário: em 27 de outubro, os bancos retiveram o imposto devido pelos que haviam conseguido liminar na Justiça – incluindo todos os correntistas de várias categorias e alguns Estados, como São Paulo – para repassá-lo ao Fisco.
Retrocesso – Enquanto isso, o secretário da Receita Everardo Maciel divulgou uma proposta de extinção de todas as isenções e deduções de gastos com educação, saúde, pensão alimentar e outras despesas no cálculo do Imposto de Renda. Passaria a ser aplicada uma alíquota única de pelo menos 7,7% (idealmente, de 10%). O presidente Fernando Henrique Cardoso parece ter gostado da idéia: dia 25, na Espanha, defendeu a abolição dessas deduções como meio de financiamento do aumento do salário mínimo reivindicado pelo movimento sindical, pela oposição e por ACM.
ACM não mordeu a isca. No dia seguinte, afirmou ser contra a proposta. Não é para menos: a idéia elaborada pela equipe de Everardo é vantajosa para quem tem uma renda tributável – depois do INSS e sem contar dependentes – superior a R$ 1.818 mensais (supondo alíquota de 7,7%) ou R$ 2.057 (supondo alíquota de 10%). Mas quem ganha abaixo desses valores sai perdendo (leia quadro).
Perdem também muitos com renda bruta superior a R$ 2.057, e que hoje têm direito a deduções por conta de gastos com dependentes, educação, saúde e pensão alimentícia. Por exemplo, quem tem um salário de R$ 2.500 mensais depois do desconto do INSS, mas todo mês gasta R$ 300 com plano de saúde, R$ 283 ou mais com a escola dos filhos e mantém três dependentes, terá uma renda tributável, após o ajuste, de no máximo R$ 1.646. Até pessoas com renda bruta mensal superior a R$ 3.000 podem sair perdendo se tiverem gastos altos com saúde ou pensão alimentícia.
Perdem, portanto os contribuintes da chamada classe C (renda de R$ 600 a R$ 1.300), que representa 31% da população brasileira, bem como boa parte da classe B (de R$ 1.300 a R$ 3.600), que constitui 19% do total. Só a classe A – cerca de 5% da população – pode ter certeza de sair ganhando. Prevê-se a manutenção da atual isenção de IR para rendas até R$ 900 mensais – o que inclui a totalidade das classes D e E (45% da população).
O objetivo assumido é simplificar a arrecadação, reduzir a necessidade de fiscalização e estimular os que têm uma renda alta (mas não a declaram) a pagar o imposto, contando com que esse público aceitará pagar uma alíquota de 7,7% ou mesmo 10%. A proposta pode até acertar alguns desses alvos, mas ao custo de prejudicar a grande maioria dos atuais contribuintes do IR e agravar a concentração da renda no Brasil.
Modelo torto – Na maioria dos países desenvolvidos, o Imposto de Renda de pessoas físicas representa 20% ou mais da arrecadação dos governos (37% nos EUA). Já no Brasil, a sonegação e a economia informal reduzem o IR de pessoas físicas a 6% da arrecadação total e a 1,8% do PIB. Só o IR dos 1% mais ricos, que detêm 13,9% da renda, deveria – com uma alíquota de 27,5% e supondo deduções no total de 25% da renda – representar 2,7% do PIB. A arrecadação total do IRPF, pelas normas atuais, deveria dar perto de 12% do PIB.
O governo brasileiro tira quase metade da sua arrecadação dos impostos sobre bens e serviços, como IPI, ICMS e ISS, contra 15% a 30% de seus equivalentes nos países ricos. Muitos bens e serviços de consumo popular, dos refrigerantes à conta de luz, pagam tributos pesados por ser difícil dispensá-los e relativamente fácil fiscalizá-los. Já a tributação de bens e serviços sofisticados – computadores, automóveis, consultorias – acaba sendo reduzida para incentivar a produção e as vendas ou porque é difícil controlar a sonegação. Um estudo da Receita Federal mostrou que, em 1998, quem ganhava até dois salários mínimos gastava 13,13% dessa renda com impostos sobre consumo.Quem ganha mais de 30 salários, desembolsa apenas 6,94%.
Extinção – O economista chileno Hernán Büchi, que foi o ministro da Economia durante o governo de Pinochet, é mais radical do que Everardo Maciel: propõe simplesmente extinguir o Imposto de Renda, garantindo que com isso o seu país será o “jaguar da América Latina”. A má distribuição de renda no Chile é notória, a do Brasil mais ainda, e não dá sinais de melhorar. Segundo estudos do Ipea com base em dados do IBGE, a participação dos salários no PIB caiu de 45% em 1990 para 37% em 1999, enquanto os lucros passaram de 33% para 41%. O próprio Banco Mundial admite que, nessas condições, o crescimento econômico é pouco eficiente na redução da pobreza.