17/10/2007 - 10:00
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, tem se revelado um homem que adora polêmicas. Tão logo assumiu, travou uma enorme discussão com os setores mais conservadores da sociedade ao defender a prática do aborto nos hospitais da rede de saúde pública. Depois, rivalizou com o sambista Zeca Pagodinho por ser ele garoto-propaganda da indústria de bebidas alcoólicas. Agora, a nova contenda de Temporão não envolve conceitos, dogmas ou normas de conduta, mas a destinação de uma verba de R$ 47,8 bilhões que pode, dependendo dos critérios adotados, chegar a mais de R$ 70 bilhões no ano que vem. Trata-se dos recursos vinculados à área de saúde. Em torno desses recursos, desenvolve-se hoje uma das mais renhidas disputas dentro da base do governo. De um lado, Temporão e a bancada peemedebista que representa e domina o Ministério da Saúde depois da queda do ex-ministro petista Humberto Costa. De outro, o vice-presidente do Senado, Tião Viana, e o PT, que nunca engoliu a perda da pasta com o maior orçamento da Esplanada dos Ministérios.
Na segunda-feira 8, Tião Viana (PT-AC) foi à tribuna do Senado e proferiu um duro ataque a Temporão, digno de um senador oposicionista. Chamou o ministro de vaidoso, irresponsável e desinformado. A razão da briga é um projeto de autoria do próprio Viana que regulamenta uma emenda constitucional aprovada em 2000 estabelecendo a vinculação de recursos orçamentários à área da saúde. Temporão considera que o projeto, da forma como hoje tramita no Senado, é ruim e, ao final, poderá acabar diminuindo o aporte de dinheiro para o setor. Viana tomou-se de dores. “Não sei se por carga de vaidade, (o ministro) coloca-se de maneira irresponsável no debate”, atacou o senador. “Ele faz duras acusações à tramitação no Senado, sem ter lido o projeto e sem ter estabelecido o mínimo de racionalidade no diálogo.” Em resposta, Temporão não citou Tião Viana, mas foi buscar apoio na oposição. Em São Paulo na mesma segunda-feira 8, na inauguração das obras de ampliação de um hospital. Temporão pediu ajuda ao governador José Serra (PSDB-SP) para modificar o projeto. “Tentar corrigir distorções provocando outras não me parece adequado”, atacou o ministro. Provocado, Serra endossou o discurso de Temporão: “A emenda precisa ser aprovada de uma forma que não venha a incluir outras despesas na definição de gastos em saúde.”
A discussão toda se dá em torno de pontos que não constavam do projeto original de Tião Viana, mas que foram enxertados por outros senadores durante a tramitação do texto. Primeiro, o projeto de Viana foi bombardeado não pelo Ministério da Saúde, mas pela área econômica do governo. Para determinar de quanto seria o orçamento da área de saúde, Viana sugeriu que ele passasse a representar anualmente 10% da receita bruta da União. Isso faria com que a verba para a saúde pulasse de R$ 47,5 bilhões este ano para nada menos que R$ 71,4 bilhões em 2008. Na Comissão de Assuntos Econômicos, a vinculação foi corrigida por uma emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que manteve o critério atual, estabelecendo que os recursos orçamentários de um ano devem ser corrigidos no ano anterior de acordo com a variação nominal do PIB.
É na mesma Comissão de Assuntos Econômicos, por conta da inclusão de outras emendas, que o projeto, na visão de Temporão, começou a ser distorcido. “Resolveram incluir como despesa de saúde os gastos com os inativos, ampliar a verba para saneamento e modificar de forma drástica o critério de distribuição dos recursos”, explica a secretária executiva do Ministério da Saúde, Márcia Bassit. O critério que passou a ser adotado é de distribuição das verbas de forma diretamente proporcional à população e inversamente proporcional à renda, o que privilegiaria os Estados das regiões mais pobres, como o Acre de Tião Viana. “Isso não levaria em conta a rede de saúde implantada em cada Estado e a demanda”, explica Márcia. Por esse critério, São Paulo, por exemplo, perderia R$ 1,2 bilhão das verbas que recebe hoje.
Temporão argumenta que não atacou Tião Viana diretamente, mas as emendas que distorceram o seu projeto. Tião Viana rebate que não interpretou assim. “Ele disse que os erros eram meus, quando sabia que os erros eram dos parlamentares que apresentaram emendas”, reclama Viana. No Ministério da Saúde, comenta-se que a maneira como Tião Viana resolveu alimentar a briga só pode decorrer do fato de que ele sempre procurou colocar-se como alternativa petista para a pasta. No PT, ao contrário, comenta-se que a forma como Temporão procurou vincular Tião Viana às distorções no projeto faz parte de uma estratégia para desgastar os petistas. Paulo Bernardo, porém, já foi escalado pelo Palácio do Planalto para tentar pôr panos quentes na contenda. Às vésperas de tentar aprovar a CPMF, tudo o que o governo não quer é mais uma briga no Senado.