03/11/2000 - 10:00
A luta pela terra é mesmo um tema tabu no Brasil. Mais uma prova cabal disso é um documentário, ainda inédito no País, que foi transmitido pela televisão americana em 1961. Gravado pela ABC, o programa foi censurado no Brasil por ser considerado inconveniente pelas “autoridades competentes” do governo Jânio Quadros. A peregrinação de Francisco Julião à frente das Ligas Camponesas, como ficou conhecido o mais expressivo movimento de esquerda em defesa da reforma agrária, é uma das revelações do filme que só serão exibidas ao público brasileiro a partir desta quinta-feira 9. Também serão mostradas as opiniões inovadoras do advogado e economista Celso Furtado à frente da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A transmissão será durante a abertura da exposição Celso Furtado, Vocação Brasil, na sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), no centro do Rio, em comemoração aos 80 anos do acadêmico.
Foi durante o depoimento à repórter americana Helen Rodgers, da rede ABC, que Furtado falou sobre a pobreza nordestina considerada por ele, já na época, a maior mancha de miséria do hemisfério ocidental. Logo depois das filmagens, Furtado foi convidado pelo então presidente dos Estados Unidos John Kennedy a comparecer à Casa Branca. O assunto do encontro seria um possível apoio financeiro ao Nordeste.
Sua passagem pela Sudene rendeu-lhe a pasta de ministro do Planejamento no governo João Goulart , antes do golpe de 1964. Quando da publicação do Ato Institucional nº 1, ficou em 28º de uma lista negra de 100 nomes e resolveu sair do País. Seu primeiro destino foi Santiago do Chile. Lá, reuniu-se com exilados brasileiros na casa do poeta Pablo Neruda. Nestes encontros, especulava-se sobre o fim da ditadura militar. “Vai durar uns 15 anos e eu tenho planos de viver dez anos fora do Brasil”, previa o economista. A história recente mostrou que as previsões de Furtado não eram exageradas.
Recortes de jornais e revistas, fotos inéditas, documentos, carteira de trabalho e salvo conduto da ONU são algumas das peças que serão mostradas na exposição e que contarão um pouco da história recente do País. Autor de dezenas de livros traduzidos para o inglês, francês, espanhol, italiano e até farsi (o idioma falado no Irã), Furtado é um homem sério, mas acessível. Tem posições firmes que o acompanham desde que trocou Pombal, na Paraíba, pelo mundo. Leitor atento de O Capital, de Karl Marx, Furtado diz que foi com o pai do marxismo que aprendeu a importância da História. Com o economista John Maynard Keynes lapidou sua visão a favor da intervenção do Estado na economia e tornou-se crítico ferrenho do neoliberalismo.
Tendo vivido no Exterior por duas décadas, acadêmico consagrado e imortal desde 1997 – quando assumiu a cadeira deixada pelo amigo, antropólogo e educador Darcy Ribeiro –, Furtado continua coerente com as idéias de sua juventude: “O desafio para as novas gerações é desvendar o mistério brasileiro. Como um País tão rico e populoso pode continuar tão atrasado economicamente?”